Scott Edward Anderson

Nascido em Providence, Rhode Island, Scott Edward Anderson é um poeta americano de origem portuguesa com raízes na ilha de São Miguel, nos Açores, de onde os seus bisavós emigraram para os Estados Unidos no início do século XX.

Apesar de ter crescido afastado das suas origens, decidiu partir à descoberta das suas raízes ancestrais. Foi assim que embarcou numa procura persistente e sentimental que o levou de volta à sua ilha ancestral. A viagem inspirou-o a escrever uma série autobiográfica de narrativas poéticas.

Visitou as ilhas pela primeira vez em 2018, quando participou na Disquiet International Azores Residency na ilha de São Miguel. Desde então, publicou de Falling Up: A Memoir of Second Chances (2019), que recebeu recentemente o 1º Prémio Literário de Letras Lavadas em conjunto com a PEN Açores, e o Prémio Nautilus pela publicação de Dwelling: an ecopoem (2018). É também autor de Fallow Field: Poems (2013), tendo também recebido o prémio de poesia pela Nebraska Review.

Atualmente, Anderson está a trabalhar num livro de memórias sobre a sua origem açoriana intitulado The Others in Me: A Journey to Discover Ancestry, Identity and Lost Heritage.

O seu mais recente livro, Azorean Suite/Suite Açoriana, é um longo poema épico, bilingue, que celebra a sua busca da identidade perdida, onde presta homenagem a vários poetas, imigrantes açorianos e aos laços ancestrais, afetivos e permanentes, que os ligam às ilhas.

O poema foi agora lançado em formato de livro, pela primeira vez na sua totalidade, por Letras Lavadas, nos Açores, na versão inglesa original e em português, pelo autor e Eduardo Bettencourt Pinto, com José Francisco Costa.

lançamento de Azorean Suite de Scotta Edward Anderson

Promovido por Letras Lavadas, o evento teve lugar dia 6 de novembro, no Facebook com o autor, juntamente com Onésimo Almeida, Vamberto Freitas e Katherine Vaz. Para ver a versão em vídeo, utilizar o link: https://fb.watch/1GL7Ok4FMk/

Presentemente, Scott Edward Anderson vive em Brooklyn, Nova Iorque, onde divide o seu tempo entre Nova Iorque e os Açores. Para saber mais sobre ele, visite www.scottedwardanderson.com ou Twitter e Instagram @greenskeptic

 

1 – Onde nasceu e onde estão as suas raízes portuguesas?

Nasci em Providence, Rhode Island, no antigo Hospital Lying-in. Dois dos meus bisavós maternos emigraram das ilhas dos Açores em 1906, em viagens separadas, a bordo de navios de emigrantes. As minhas raízes nos Acores, estão mais concretamente na ilha de São Miguel, onde pesquisei a minha árvore genealógica que vai até aos primeiros colonizadores da ilha, alguns referidos em Saudade da Terra de Gaspar Frutuoso. Ramos da minha árvore genealógica vieram do Alentejo, centro sul, e de Viseu, centro norte de Portugal, alguns deles judeus sefarditas e conversos.

 

2 – Tem alguma memória de infância que lhe lembre a sua herança portuguesa? Alguma ligação com as tradições e a cultura portuguesas?

Na verdade, não. Eu tinha uma vaga ideia, certo, como uma espécie de sombra persistente. De vez em quando havia um pouco da comida: linguiça, massa sovada, e afins, mas nunca participámos em festas nem convivíamos com a comunidade. O meu avô, tal como muitos outros filhos e filhas de primeira geração de imigrantes, na primeira metade do século XX, queria ser americano. Não queria ter nada a ver com o passado, apenas falava português com os seus pais e nunca com os filhos, tinha um nome anglicizado, e casou numa antiga família colonial britânica que se tinha estabelecido em Sandwich, Massachusetts, em 1637. Tornou-se um empresário de sucesso, e foi presidente por dois mandatos do Metacomet Country Club – onde foi talvez um dos primeiros membros americanos de origem portuguesa, se não o primeiro, e também dirigiu a Rhode Island Golf Association durante 33 anos.

 

3 – O que lhe aconteceu na vida que o inspirou ir à descoberta as a suas origens portuguesas?

Quando eu cresci, as minhas origens portuguesas eram um mistério — o meu avô era uma espécie de enigma — que sempre me intrigou. E o meu pai, que era de origem escocesa-irlandesa, sempre me apontou o facto de eu “parecer um Portagee”, porque eu era de tez escura e saía para o lado da família desse meu avô. Repetia piadas de “Portagee”, tal como as piadas que se faziam aos polacos, só que contadas num tom depreciativo português.

Esta dupla agressão às minhas origens — a recusa do meu avô e o menosprezo do meu pai — fez-me sentir vergonha desta parte do meu passado, mesmo quando as pessoas me perguntavam se era italiano ou latino. “Escocês escuro”, respondia sempre. Levei muito tempo a superar este sentimento de vergonha. Na verdade, já tinha 20 anos quando descobri uma cópia do poema épico de Camões, Os Lusíadas, sobre a era dos Descobrimentos, numa livraria em Manhattan e, ao lê-lo, comecei a pensar que esta parte da minha herança era realmente rica e importante, algo de que me devia orgulhar em vez de me envergonhar. Foi esse livro que me lançou neste percurso de descoberta que levou décadas a empreender.

 

4 – Quando decidiu explorar o seu legado familial de origem açoriana?

Começou realmente em 1993. Fui ter com o meu avô e pedi-lhe que partilhasse comigo a história da família — tinha eu então uma arma secreta: tinha começado a aprender português, ainda que brasileiro, e falei com ele nessa linguagem “secreta”. Ficou um tanto surpreendido, e também movido de forma que me convenci de que iria satisfazer o meu pedido. Isto foi alguns meses antes de morrer. Nessa altura, não sabia que já estava bastante doente! Embora tenha concordado em partilhar histórias, infelizmente morreu antes de o poder fazer. Levou as suas histórias – a história da nossa família – com ele para a sepultura. Foi uma grande perda. Tentei pesquisar sozinho, isto em meados dos anos 90, quando as ferramentas da Internet ainda não estavam disponíveis. Tinha alguns indícios preciosos, mas nenhuma fonte original. Mais tarde, descobri que até o nome da família estava errado: porque o sobrenome do meu avô era Perry, sempre tinha assumido que vinha do português Pereira. Não era o caso! Na verdade, o nome era “Casquilho” ou, mais especificamente, Rodrigues Casquilho. Pereira, afinal, era o nome de solteira da mãe do meu pai — que era mais fácil de usar aqui nos Estados Unidos!

Então, ao longo dos anos, tentei juntar as coisas, mas deparei-me com muitos obstáculos impenetráveis e becos sem saída, entretanto tinha uma família e uma vida profissional que me atrapalhavam no prosseguir com algum rigor. Finalmente desisti. Só quando o meu pai morreu, juntamente com a irmã do meu avô, Alice, que era o último repositório das histórias da família, é que recorri à busca novamente. Por esta altura, em 2016, existiam novas ferramentas disponíveis, como o Ancestry.com, Jornais, etc. na Web, e outros recursos, incluindo um Grupo de Genealogia Açoriana no Google, e bases de dados de documentos sobre os Açores e, finalmente, consegui reunir a história da minha família em ambos os lados do Atlântico.

 

5 – O que foi encontrar do outro lado que lhe terá afetado o sentido de si próprio?

Quanto mais aprofundava, mais fundas encontrava as minhas raízes nos Açores e, foi à medida que ia pesquisando os Açores e as suas gentes, que melhor ia reconhecendo certos aspetos do meu eu — o meu verdadeiro eu — incorporados no carácter açoriano. Comecei a entender porque me sentia um tanto isolado, um estrangeiro toda a minha vida: havia em mim “outros” com quem eu tinha perdido contacto, um espaço que estava por preencher no coração e na alma. Mesmo assim, resisti, porque não sabia se tinha o direito de o reclamar. Afinal, eu pertencia à terceira geração, era apenas um quarto de açoriano e português. O meu avô tinha rejeitado a sua origem açoriana e os pais dele tinham renunciado a cidadania portuguesa. Que direito tinha eu a essa rica herança, eu que era apenas um “rafeiro”?

Este sentir evoluiu quando visitei os Açores pela primeira vez em 2018, no âmbito da Azores Residency promovida pela Disquiet International, que visa reunir escritores portugueses e lusófonos de todo o mundo. Chegado às ilhas, senti que as minhas raízes ali começavam a dominar-me, tal como a modulação do mar circundante que me puxava para as minhas origens, como se os meus antepassados me acenassem para que voltasse ao meu lugar “legítimo” entre eles.

 

6 – Ainda tem familiares nos Açores?

Sim, descobri que tenho primos na ilha, primos dos quais nunca soube. Parte dos Casquilhos (e provavelmente outros que ainda não conheço!) que ficaram para trás e continuaram ligados à família nas ilhas, em particular em São Miguel. Quando conheci o meu primo Victor e a sua família, fiquei espantado com o quão “familiar” me senti — a minha família açoriana.

 

7 – Agora que recuperou essa herança perdida, o que mais em si ressoa dessa nova identidade?

Para ser honesto, no início, preocupava-me que o sentido de “Açorianidade” me suplantasse. Eu tinha construído uma identidade ao longo da minha vida — tinha 50 anos quando fui às ilhas, quando me sentia já bastante confortável com o que me tinha servido bem ao longo da vida: basicamente, um anglo-americano, escocês, ou qualquer coisa que fosse (embora, verdade seja dita, o meu pai acabou por ser mais irlandês do que escocês, apesar das suas afirmações em contrário!) — e até o meu nome apadrinhava esta identidade.

Mas, como disse, e apesar de tudo isso, senti-me um estrageiro durante a maior parte da minha vida — tendo sofrido o trauma vindo dos ultrajes depreciativos e abusivos do meu pai — e não percebendo o porquê até começar a descobrir a história da forma como os portugueses, e em particular os imigrantes açorianos, eram tratados neste país no final do século XIX e início do século XX. (Não estavam sozinhos; os italianos e os irlandeses também tinham sofrido tratamento semelhante no início.) Comecei a entender a minha ligação com essa história e a razão por que o meu avô escolheu o percurso que fez. Uma vez disse-me que o ser português teria sido uma carga na vida dele, e que por isso o rejeitá-la foi essencial para o ter sucesso. Entretanto, o meu próprio sucesso na vida, ligado a essa anglo-americanização, fazia-me também sentir que algo me estava faltando, algo dentro de mim que se perdia. Sentia, como palavra portuguesa saudades expressa, que havia um património perdido.

 

8 – Como é que essa nova consciência de si próprio lhe afeta o que escreve?

Quando cheguei a São Miguel, senti uma estranha sensação de chegar a casa, como se pertencesse ali, o que foi muito assustador no início. Como poderia pertencer a este lugar que a minha família tinha deixado há mais de 100 anos? Mas fui atenuando essa resistência, permitindo que esse sentimento crescesse naturalmente, como foi acontecendo e mais profundamente o fui sentindo. E a comunidade de escritores na diáspora — e os gigantes literários açorianos como Vamberto Freitas e Onésimo Almeida, e outros escritores açorianos como Katherine Vaz e Oona Patrick — foram tão incrivelmente acolhedores e inclusivos que foi difícil resistir à atração, uma onda de marés, continuando a trazer-me para casa para essas praias rochosas.

Como escritor, sinto que sou agora parte de uma comunidade distinta em relação à qual tenho responsabilidade de retribuir, de promover, de me envolver de uma forma significativa e de todo o coração. Nos últimos anos, venho escrevendo um livro de memórias sobre a viagem do descobrimento da “descoberta” da minha identidade perdida, que espero ser publicado nos próximos anos. Espero que ajude outros americanos de origem açoriana ou mais quem quer que seja – a começarem as suas próprias viagens de descoberta.

Recentemente, escrevi um longo poema – uma espécie de poema de amor aos Açores, uma homenagem aos poetas e escritores açorianos – que acaba de ser publicado por Letras Lavadas, em São Miguel, intitulado Azorean Suite/Suite Açoriana, numa edição bilingue que traduzi para português com o açoriano angolano Eduardo Bettencourt Pinto. E estou a fazer a primeira tradução para inglês do Corsário das Ilhas, do grande poeta açoriano Vitorino Nemésio, para a Tagus Press. Eu diria que o assumir desta nova identidade açoriana se tem manifestado praticamente em toda a minha escrita!

 

9 – No percurso que o estabeleceu como escritor, quando foi que encontrou o escritor em si e o que o motivou a escrever?

Comecei na escrita desde muito cedo — 9 anos, na verdade — inspirado e motivado pela minha “tia” Gladys Taylor, que ajudou a criar-me. Era uma espécie de seu protegido. Lembram-se daquele livro, All I Really Need To Know I Learned in Kindergarten? Bem, costumo dizer que tudo o que sei, aprendi com a Gladys Taylor. Escrevi sobre ela no poema, “The Postlude, or How I Became a Poet” que apareceu no meu primeiro livro, Fallow Field. Devia escrever um livro sobre como ela me cultivou e educou, talvez até o faça. Ela acolheu-me sob a sua asa e ensinou-me sobre poesia, arte, música e a natureza – foi uma educação fabulosa, na verdade, durante os primeiros seis ou sete anos da minha vida.

Mas comecei a escrever na adolescência, quando tive dois professores de inglês que me encorajaram, Jack Langerak e Richard Taddeo; alimentaram o meu interesse pela escrita e leitura, introduziram-me escritores e livros numa série de intervenções pessoalmente curadas que antecederam os algoritmos de recomendação da Amazon por várias décadas. Sempre fui um leitor voraz – um leitor polítrofo – com uma intensa curiosidade e uma grande variedade de interesses. O encorajamento deles foi fundamental para me manter curioso, nunca me desencorajando, sempre me estimulando.

Escrevo para tentar entender o que estou a pensar e a sentir. As perguntas surgem da minha curiosidade e da minha natureza de procurar explorar, mergulhar, e ficar mesmo obcecado com as coisas até chegar ao fundo delas. Claro, essas “respostas” revelam novas perguntas e mantêm-me a discorrer sobre coisas novas. É realmente uma combinação de uma curiosidade intensa, e da necessidade de entender o que estou a pensar, isto parafraseando um dos meus professores, Gary Snyder.

 

10 – A sua escrita assenta numa ampla variedade de estilos e fontes. O que mais o inspira e mais o influencia?

Mais uma vez, acho que é esta curiosidade intensa sobre as coisas, de aprender coisas novas e a minha natureza um pouco – ok, talvez não tão ligeiramente – obsessiva. Se há algo que capta a minha atenção, posso concentrar-me nisso durante horas, ininterrupta e completamente focado. Há alturas em que, enquanto escrevo ou investigo alguma coisa, de repente, quando olho para o relógio, vejo que passaram quatro ou cinco horas das quais não me apercebi. E algumas questões obcecam-me durante décadas!

Quanto ao que me inspira: o mundo natural e o estar na natureza sempre me inspiram, isto desde o tempo com a Gladys Taylor, coscuvilhando o que então era a quinta e o parque em East Providence, ou em Vermont, onde passávamos férias na casa que ela partilhava com a sua companheira (também chamada Gladys), Ga Morrill. Isto tudo, primário, em natureza. Preciso de estar em contato com a natureza o mais possível. No entanto, também me inspiro no contato e na interação humana, especialmente com pessoas também curiosas, e, claro, com a minha família e amigos. A minha mulher e eu temos uma família mista de seis filhos, e eles inspiram-me a toda a hora, a ser um melhor marido, pai e padrasto e a partilhar a minha escrita com eles, a partilhar a minha visão do mundo e a minha curiosidade, na esperança de os inspirar ou lhes despertar a sua própria curiosidade.

 

11 – No seu livro Dwelling: an ecopoem, conversa com a natureza, com a ecologia e sustentabilidade, na noção de que pertencer e habitar a Terra é intrínseco à existência que o transcende. Gostaria de comentar?

dwelling scott edward anderson

Como mencionei, acima de tudo o estar com a natureza inspira-me, e também a compreensão de como a natureza funciona e qual o nosso lugar nela como espécie. Trabalhei durante muitos anos na preservação, principalmente na Nature Conservancy, e em várias serviços de consultoria, trabalho esse que me levou pelo mundo a descobrir lugares, tais como paisagens, paisagens marinhas que eram novas para mim, colocando-me em estreito contacto com cientistas que aprofundavam conhecimentos sobre como as espécies interagem, os seus habitats e a importância da biodiversidade. Cresci durante o tempo da consciencialização ambiental emergente, no final dos anos sessenta inícios dos anos setenta, e lembro-me do primeiro Dia da Terra e das importantes medidas de proteção ambiental implementadas em meados dos anos 70.

Então, sinto que foi isso, a minha exposição precoce à forma como o mundo natural funciona nutrido pelo objetivo da Gladys em “estudar a natureza”, que fez de mim um cidadão preocupado e, por vezes alarmado, com a espécie humana. A degradação ambiental que enfrentamos — as questões que a nossa espécie enfrenta neste século, com as alterações climáticas, levaram-me a questionar sobre como se vive na Terra e de como convivemos com a natureza, e esta minha maneira de explorar  — de aprender e de como pensar sobre isso — está presente na escrita.

 

12 – Sobre as suas afinidades literárias, há algum escritor em particular que o afete ou o admire?

Oh, há muitos, suponho, mas os escritores a quem mais volto são possivelmente Michael Ondaatje, Annie Dillard, Elizabeth Bishop e Gary Snyder. É um ótimo quarteto, para ser honesto. No entanto, continuo a ser um leitor curioso e politrófico, por isso estou sempre à procura de novas escritas, de descobrir novos trabalhos para admirar, escritores que vão desde os meus contemporâneos, como os poetas Ross Gay, Camille Dungy e Erin Belieu, aos da próxima geração, como os poetas Camonghne Felix, Aria Aber e Natalie Eilbert.

E, claro, ultimamente, à medida que tenho vindo a ligar-me à comunidade literária açoriana, tenho lido amplamente a literatura e a história das ilhas, o que me tem exposto a uma veia inteiramente nova de escritores notáveis que apenas comecei a explorar.

 

13 – O seu mais recente livro Azorean Suite: A poem of the moment / Suite Açoriana: Um poema do momento é um longo poema épico, onde a sua voz narra a viagem que o levou a descobrir memórias perdidas, e nunca encontradas, saudades que nunca foram. Como navegou o mapa dessas emoções que o ligaram ponto por ponto?

Azorean Suite Scott Edward Anderson

Esse livro nasceu de um projeto maior — um livro de memórias de viagem de descobrimento das minhas raízes ancestrais nos Açores e em Portugal continental, onde evoco os “Outros em Mim”, a partir de uma frase de Fernando Pessoa. Dei comigo a bater contra a parede ao escrever esse livro e senti que precisava de me descontrair um pouco mais. Então, voltei-me para a poesia. O poema fluiu — escrevi “no momento”, sempre que me sentia emocionado, fazendo-o sobre aquilo que estava ali à mão ou na mente. Grande parte veio do conflito emocional entre o que se tinha perdido e aquilo que eu estava a descobrir sobre mim, tanto sobre os Açores como sobre as minhas raízes ali. Lembro que este foi o culminar de uma longa procura, décadas de uma pesquisa extensiva que, finalmente, me ajudou a dar sentido a essas raízes e à sua ligação à minha identidade – quem era eu, de onde vinha, e quem estava eu a tornar-me como resultado dessa revelação.

 

14 – Entretanto, contactou a comunidade portuguesa de escritores nos Estados Unidos, nos Açores e em Portugal continental? O que aprendeu?

Este tem sido um aspeto notável deste percurso – a comunidade de escritores que me acolheu como um filho ou irmão perdido. Em 2018, participei na Azores Residency da Disquiet International. O organizador, Brendan Bowles, providenciou um almoço comigo e Michael Spring, o único outro poeta açoriano em residência naquele verão, para nos encontrarmos com Vamberto Freitas, que é provavelmente o maior crítico literário dos Açores e um forte defensor de uma visão expansionista da literatura açoriana. Mais tarde ele leu o nosso trabalho, numa palestra na biblioteca de Ponta Delgada, e tornou-se não só um patrono do nosso trabalho, mas um querido amigo e mentor. O romancista João Pedro Porto, que também conheci durante essa residência, tornou-se também um bom amigo e temos procurado encontrarmo-nos sempre que estou de volta.

Deste lado do Atlântico, Onésimo Teotónio Almeida, também foi um patrono — na verdade, tem sido realmente como um padrinho para mim e para este poema, publicando-o na abertura da revista Gávea-Brown, ajudando-me a encontrar um cotradutor, e encorajando-me noutros vários projetos de escrita e tradução. Também Katherine Vaz, romancista e autora de contos, que também me tem ajudado, é uma querida amiga; conhecemo-nos nos anos 90, quando descobria as minhas raízes na sequência da morte do meu avô, tendo mantido o contacto nos últimos anos.

 

15 – Agora que tem uma visão dessa comunidade de criadores, o que deve ser feito para melhor promover o intercâmbio desses grupos separados pelo Atlântico?

Espero poder ajudar a construir mais pontes entre ambos os lados do Atlântico e ajudar à sensibilização para o trabalho desses escritores, músicos e artistas dos Açores. Sou bastante zeloso desses talentos e estou a tornar-me um pouco o líder da claque. Um grande problema para esta literatura é que já há uma valiosa tradução de poesia e ficção dos Açores, além de algumas antologias, mas fora de circulação. Embora a Tagus Press tenha vindo a divulgar mais clássicos açorianos disponíveis para um público mais alargado. Outro amigo escritor açoriano é Diniz Borges, que é um incansável defensor, chamando a atenção para escritores dos Açores e da diáspora através de vários projetos, incluindo o Portuguese Beyond Borders Institute no estado de Fresno, na Califórnia. A recente antologia por Oona Patrick é mais um exemplo de como procurar trazer a escrita lusófona mais diversificada para junto do público norte-americano. (É também uma excelente escritora açor-americana por direito próprio…).

 

16 – Quais os projetos em que está a trabalhar neste momento?

Terminei recentemente um rascunho de The Others in Me: A Journey to Discover Ancestry, Identity, and Lost Heritage, que conta a história da recolha das minhas raízes nas ilhas, desde o tempo do povoamento original e aquando da emigração dos meus bisavós. Também descobri uma notável ascendência sefardita na minha árvore genealógica que confirma algumas das coisas que sentia e há muito suspeitava sobre o meu passado ancestral — tanta perda e saudades: o ser forçado a abandonar a própria identidade e práticas religiosas; deixando o continente para ilhas remotas e desabitadas no meio do Atlântico; emigrando daquela ilha cerca de 450 anos depois, deixando para trás a família para nunca mais voltar; e abdicando da própria cidadania e da identidade para assimilar um novo país. Penso que esse trauma deve estar incutido no meu ADN!

Estou traduzindo o grande poeta açoriano Vitorino Nemésio, o seu relato de viagem datado de 1956, Corsário das Ilhas, para a Tagus Press como parte da série Bellis Azorica. Traduzi já outros poemas de Nemésio e planeio começar também com poesias de Pedro da Silveira.

 

17 – Além de escrever, tem outra atividade profissional?

Trabalhei durante muitos anos na preservação, empreendedorismo social e energia limpa, mais recentemente desenvolvendo e lançando um serviço de gestão inteligente de monitores para o grupo global de energia e serviços da Ernst & Young, para mercados emergentes em todo o mundo.

Deixei a EY no verão de 2017, mas continuo a fazer consultorias para grupos de conservação e empresas de tecnologias limpas. Escrevi sobre esta transição no meu pequeno livro de memórias, Falling Up, que saiu no ano passado.

Ao longo do último ano, passei a escrever a tempo inteiro, isto na medida em que os outros projetos se expandem, incluindo o início de uma atividade de gestão de localização comercial para a televisão da minha casa (isto obviamente antes da Covid’19).

Os leitores poderão já ter visto a nossa casa de Brooklyn em publicidade para Quicken Loans e outros, bem como em vários segmentos da Saturday Night Live!

 

Esta entrevista, conduzida por Carolina Matos, apareceu originalmente no Portuguese American Journal. Carolina Matos é a fundadora e diretora do Portuguese Portuguese American Journal na Internet. De 1985 a 1995, foi diretora do The Portuguese American Journal em formato impresso; de 1995 a 2010, foi consultora da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), com sede em Lisboa. Formou-se com uma licenciatura e mestrado em Inglês e Educação pela Brown University e um doutoramento em Educação pela Lesley University onde foi docente. Em 2004, Carolina Matos foi agraciada com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique por Jorge Sampaio, Presidente de Portugal.

 

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