Memórias de Madre Aliviada da Cruz

Nesta entrevista a Henrique Levy saberás mais acerca do seu novo livro “Memórias de Madre Aliviada da Cruz”, uma edição Letras Lavadas, acerca da sua protagonista, Benedita Portugal e Castro, e o seu processo de escrita.

“Memórias de Madre Aliviada da Cruz” será lançado no dia 25 de Abril às 18:00 h, em directo no Facebook da Agenda Açores e da Letras Lavadas e no Youtube da Letras Lavadas e contará com a apresentação de Aníbal C. Pires e moderação de Patrícia Carreiro.

A Agenda Açores entrevista o seu autor, Henrique Levy, que nos desvenda um pouco acerca deste livro, para maiores de 18 anos, que nos conta a história de Benedita Portugal de Castro. Esta desembarcou em 1846 em Ponta Delgada, na companhia de cinco marujos, rumo a Vila Franca do Campo, para servir a Cristo. Contrariando as suas expectativas iniciais, esta acabou fazendo história como poetisa, compositora e maestrina na orquestra do Convento de Santo André.

1. Memórias de Madre Aliviada da Cruz é a terceira obra da sua autoria, cuja acção se passa nos Açores. O que podemos esperar deste livro que é aconselhável a maiores de 18 anos?

Este romance é aconselhável a quem tiver maturidade para alcançar a dimensão humana de Madre Aliviada da Cruz. Penso que a leitura deste livro requer capacidade crítica e de reflexão sobre a relação com Deus e o Mundo que a protagonista descobre nas possibilidades do amor por Deus e pelos homens.

2. Tem optado, ultimamente, por escrever romances históricos. Porquê a escolha deste estilo literário, como é o seu ritual de pesquisa e o que é real e fictício em Memórias de Madre Aliviada da Cruz?

A dimensão ficcional da narrativa, apesar de evidenciar um período histórico, não deve ser entendida como uma recriação histórica.
Trata-se, antes, de uma ficção de época, pois não se cinge, unicamente, a factos documentados. A trama, alicerce do romance, não tem correspondência com a realidade da vida. Todas as personagens são ficcionadas.

3. Além de romances históricos, os seus livros têm tido uma mulher como protagonista, escrevendo, portanto, sob a perspectiva e óptica femininas, contrariando a escolha da maioria dos escritores portugueses (homens) de renome. Porque sentiu essa necessidade de o fazer, que mitos pretende quebrar em relação às mulheres com os seus livros e como faz frente a esse grande desafio sendo homem?

Não pretendo quebrar nenhum mito. Para entender a condição actual da humanidade é necessário lembrar que as mulheres têm vivido sob o jugo de uma feroz sociedade patriarcal que condiciona, limita e envia para o olvido a maior parte do pensamento feminino. Nos meus romances pretendo dar voz a personagens votadas ao ostracismo por uma sociedade misógina e machista que, difundindo os valores patriarcais, relega a mulher para lugares lúgubres, onde o preconceito impera. Todos os meus romances, desde Cisne de África a Memórias de Madre Aliviada da Cruz ficcionam vidas femininas com o objectivo de evidenciar a importância da mulher na resistência ao mundo eminentemente masculino. Estas personagens, geralmente, corajosas desafiam as regras sociais estabelecidas e tentam ao longo da narrativa ocupar um espaço de liberdade onde exprimem repúdio pela sociedade patriarcal, ridicularizando-a.

4. Além das cenas eróticas, este livro também procura desmascarar, as hipocrisias da Igreja Católica e da aristocracia e também questionar os costumes e visões da época. A protagonista, inclusive, desafia o leitor mais conservador ao afirmar que «a sexualidade e o erotismo são caminhos sagrados que levam a alma a tocar a intimidade de Deus», mas tudo de uma forma bastante espirituosa. De que modo pode o humor derrubar as crenças pré-estabelecidas e formar uma sociedade mais livre, mais justa e com menos incongruências morais?

 Não encontro hipocrisias na religião católica nem em outras religiões. As instituições religiosas são fundadas por homens e, por essa razão, imperfeitas. Como podem ser imperfeitas as janelas que deixam entrar Luz. Apesar disso não é o formato da Luz que nos chega, o que importa, mas a claridade que ela traz ao nosso espírito e à necessidade de uma vida em que a presença de Deus seja constante. Claro que a instituição Igreja Católica, quando se comporta como uma Firma, esquece-se de divulgar a verdade dos Evangelhos. Despreza os pobres e os oprimidos, optando por sustentar os opressores. Isto nada tem de hipócrita. É política ao serviço das classes dominantes. Felizmente, ao longo dos séculos, muitos foram aqueles que se dedicaram, no seio da Igreja, a espalhar a Palavra libertadora de Jesus Cristo.
O Homem, para além de espírito, possui também um corpo. Há diversas sensações que elevam esse corpo. O erotismo parece-me ser uma das possibilidades de reconhecer no corpo as alegrias da alma. A ausência desse erotismo, também! O celibato e a castidade são experiências maravilhosas, até libertadoras, que servem a certos homens e a certas mulheres. Mas não a todos, claro. É igual o meu respeito por uns e pelos outros.

5. Benedita Portugal e Castro é uma aristocrata natural de Vimioso, em Trás-os-Montes. Aliás, é duquesa, marquesa e duas vezes condessa! Apesar de tão nobre proveniência, ela sente compaixão e admiração pela classe trabalhadora, chegando até a condenar o irmão por explorar os camponeses que trabalhavam as terras da família e, ainda, de subsidiar a revolta popular dos camponeses responsáveis pela produção de laranja na ilha de São Miguel. Mas essa era uma visão pouco comum entre a nobreza e a burguesia portuguesas, certo?

Ao ler-se este romance percebemos que a protagonista em tudo encerra uma personalidade e um carácter pouco comum para as várias épocas em que viveu. A consciência social e a necessidade da luta de classes chegam às sociedades modernas com a Revolução Francesa. Felizmente, houve e há várias “Beneditas” pelo mundo. Esta consciência social e desejo de igualdade entre todos os homens expressa-se, milenarmente, nos Evangelhos. Interpretar e trazer para a vida política e social os ensinamentos dos Evangelhos é abraçar uma luta constante pela liberdade e pela igualdade entre todos os irmãos em Cristo.

6. O humor deste livro também se observa na escolha do nome dado às personagens. Defunta do Espirro de Nosso Senhor, Constipada do Santo Sepulcro, Soror Levinha do Deus Me Livre, Irmã Leitora Pau Oco do Madeiro de Cristo, Tarquínio do Quintal de Alfaces e Galito Prudêncio são os meus preferidos. Porquê a escolha destes nomes tão inusitados?

 Ao escolher nomes de personagens o autor tem de ter em mente não poder ferir susceptibilidades de “Sandras” e de “Manueis”. Para além disso, tentei encostar os nomes escolhidos a uma carga irónica e humoristas. Cumprindo, também, de uma certa formas, o destino das personagens a que foram atribuídos.

7. No livro, Madre Aliviada da Cruz dá-nos uma morada para onde lhe podemos escrever. Se enviarmos uma carta ao seu cuidado para a morada referida, obteremos resposta da sua parte?

Quem faculta essa morada é Benedita Portugal e Castro. Será ela, se assim achar por bem, quem devolverá resposta às cartas recebidas.

8. Tem um ritmo de escrita muito profícuo. Qual é o segredo de tanta produtividade? Conte-nos como se desenrola o seu processo criativo e que outros projectos já tem delineados para o futuro.

 Nesta entrevista, esta é a questão mais delicada de responder, por me obrigar a expor-me publicamente. A criação literária pertence à intimidade de cada escritor. Cada um encontra uma forma própria para se inspirar. Não me querendo alongar, posso afirmar que toda a minha vida literária é bafejada por epifanias.
Projectos não me faltam. Tenho mais dois romances terminados e outros dois iniciados. Gosto de escrever dois livros ao mesmo tempo, reinventando-me em cada um deles. O tom de um é sempre diverso do tom do outro. É como se fossem escritores diferentes a contar as histórias narradas.
A inspiração para os enredos das ficções que assino surge, também, de um quotidiano igual ao de tantas outras pessoas. Enquanto uns encontram banalidade desde o acordar ao deitar, eu elevo-me de gratidão a toda a Natureza por me manter no seu regaço, com o mesmo amor que uma mãe transporta um filho no ventre. Cada vez que os meus pulmões se erguem assoprados pelo ar, à minha mente chega uma oração de Acção de Graças.

 

Entrevista elaborada por Ana Oliveira
Redactora e Gestora de Conteúdos da Agenda Açores

 

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Poderás adquirir o livro “Memórias de Madre Aliviada da Cruz”, de Henrique Levy, na Livraria Letras Lavadas, situada no Largo da Matriz de Ponta Delgada, 69; ou na loja online aqui!

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