Raimundo Quintal

Nesta entrevista a Raimundo Quintal saberás mais acerca do seu livro Plantas do Jardim António Borges, que será lançado a 1 de Junho de 2021 às 18:00 h (nos Açores) em directo no Facebook da Agenda Açores e da Letras Lavadas e Youtube da Letras Lavadas, sobre o seu trabalho como fitogeógrafo, as especificidades do Jardim António Borges, o estado de conservação dos nossos jardins e de onde veio a sua paixão pela natureza.

 

1 – O presente guia de Plantas do Jardim António Borges resulta de um trabalho requerido pela Câmara Municipal de Ponta Delgada que pretendia um inventário do património botânico deste notável jardim do século XIX, que deduzo ter sido bastante moroso. Conte-nos em que consistiu e como elaborou esse trabalho.

No final de 2019 a Câmara Municipal de Ponta Delgada endereçou-me um convite para actualizar o inventário florístico do Jardim António Borges. Embora desde 1983 tenha periodicamente visitado este e outros jardins de São Miguel com o intuito de conhecer as respectivas floras, foi entre Janeiro e Setembro de 2020 que dediquei muitas horas à observação, fotografia e identificação de todas as plantas existentes neste jardim, seguindo a metodologia já aplicada no Jardim Botânico José do Canto, em Ponta Delgada, na Mata-Jardim José do Canto na margem sul da Lagoa das Furnas, no Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, ou nas quintas da Casa Branca e Jardins do Lago, na Madeira.

A partir do inventário das espécies, subespécies, variedades, híbridos e cultivares foi construída uma base de dados onde constam os nomes científicos, nomes vulgares em português e inglês, as famílias, as origens geográficas, o porte, o regime de folheação e o calendário de floração.

Paralelamente, foram colocadas cerca de seiscentas placas de identificação com o objectivo de fornecer aos visitantes informação sobre as plantas que povoam o jardim.

2 – Que conclusões retirou deste inventário às plantas do Jardim António Borges?

A base de dados, que entreguei à Câmara Municipal de Ponta Delgada, engloba 238 plantas. Posteriormente acrescentei mais uma espécie, que entretanto foi plantada, pelo que no livro refiro 239 táxones (205 espécies, 2 subespécies, 2 variedades, 9 híbridos e 21 cultivares).

Gostaria de esclarecer que no anterior inventário, elaborado em 2008 após a requalificação do jardim, estão registados 124 táxones.

Julgo importante referir que encontrei algumas espécies mal identificadas e que identifiquei espécies que nunca tinham sido referenciadas neste e nos outros parques e jardins de São Miguel, algumas extremamente complicadas. Mas foram essas dificuldades que me deram mais satisfação neste trabalho fitogeográfico.

Jardim António Borges

3 – Como surgiu a oportunidade de converter este seu trabalho num guia e o que é que os leitores poderão aprender com ele?

Quando estava a preparar a segunda edição do livro ÁRVORES DOS AÇORES – ILHA DE SÃO MIGUEL, o Senhor Ernesto Rezendes, que tinha conhecimento do meu trabalho, desafiou-me para fazer um guia das plantas do Jardim António Borges, bilingue, para enriquecer as visitas dos residentes e dos turistas.

Aceitei o repto e aqui está o livro com 300 páginas e muitas fotografias das árvores, arbustos, herbáceas e trepadeiras que povoam este jardim histórico de Ponta Delgada.

Espero que este guia contribua para que o Jardim António Borges seja mais do que um espaço de lazer, seja uma fonte de saber, mais concretamente de conhecimento botânico.

4 – O que faz o Jardim António Borges tão único e que mais nenhum jardim em São Miguel pode oferecer aos amantes da natureza? Que plantas mais o fascinam neste jardim?

Não sou historiador, nem arquitecto, pelo que, embora admire as recriações geomorfológicas implementadas por António Borges, que são fundamentais na identidade do seu jardim, que o diferenciam dos outros jardins micaelenses, o que me fascina como fitogeógrafo é a riqueza botânica, as voltas ao mundo que dou na companhia de tantas árvores notáveis num espaço com apenas 3 ha.

É óbvio que a árvore-da-borracha-australiana, a árvore-orelha-de-elefante, o metrosídero ou a turpentine me impressionam pela monumentalidade, mas nutro uma amizade muito especial por uma pequena árvore nativa da floresta ombrófila do Sudeste do Brasil conhecida popularmente por jacatirão, que, não se sabe por quanto tempo, viveu incógnita numa grota do jardim e que, após uma aturada pesquisa, consegui identificá-la e passei a tratá-la pelo seu nome de baptismo botânico.

5 – Que importância teve António Borges para a botânica em São Miguel? Precisávamos de mais pessoas como ele?

António Borges da Câmara Medeiros (1812-1879), José Jácome Correia (1816-1886) e José do Canto (1820-1898) foram os nomes maiores duma geração de homens ricos e cultos, que dotaram São Miguel de jardins, com uma qualidade paisagística e uma riqueza botânica, que ombreavam com o que de melhor se fazia na Europa.

Neste primeiro quartel do século XXI temos o dever de conservar e requalificar o património que nos legaram, rentabilizando-o como um importante nicho de turismo cultural.

6 – Os jardins micaelenses estão bem conservados ou sente que ainda há muito trabalho de consciencialização para a importância da sua manutenção e preservação?

A manutenção de jardins históricos com uma grande diversidade de plantas oriundas de regiões de climas tropicais, subtropicais e temperados, bem como de solos com composições diferenciadas, deve ser feita por pessoas com elevada formação técnica e bem remuneradas.

Infelizmente, nos Açores, na Madeira e em Portugal Continental faltam escolas formadoras de jardineiros especializados nas diferentes tarefas inerentes à manutenção e requalificação dos jardins, pelo que, não poucas vezes, por incapacidade técnica de quem executa e por incultura de quem ordena as intervenções, são cometidos erros, em alguns casos irreparáveis, quer do ponto de vista estético, quer no estado fitossanitário das plantas.

É tempo de mudar mentalidades, de olhar para os jardins como unidades de paisagem complexas e valiosas, com enorme potencial turístico, merecedoras de permanente manutenção por equipas multidisciplinares.

7 – É natural da Madeira e já fez estudos sobre alguns jardins da ilha. Quais as principais diferenças que encontrou tanto na diversidade botânica como no estado de conservação / preservação dos jardins entre os dois arquipélagos?

Na Madeira como em São Miguel existem jardins de elevada riqueza florística, uns muito bem conservados, outros quase votados ao abandono.

É frequente afirmar-se a influência da comunidade inglesa, enriquecida com o negócio do vinho generoso nos séculos XVIII e XIX, na edificação das quintas e jardins madeirenses e, consequentemente, na importação de plantas dos viveiristas da Grã Bretanha, da França, da Bélgica, da Holanda ou da Itália, à semelhança do que aconteceu com os micaelenses afortunados do ciclo da laranja.

No entanto, a diáspora madeirense muito tem contribuído para o facto de os jardins desta ilha apresentarem uma forte representação das floras do continente sul americano e da África do Sul, com especial destaque para as espécies nativas da península do Cabo.

Nos jardins de São Miguel é importante a presença de espécies de toda a América, mas observa-se uma primazia do extremo oriente – Este e Sudeste da Ásia, Oceânia – sendo menos importante a presença da flora africana.

Não me parece que a emigração açoriana tenha influenciado significativamente o perfil florístico dos jardins de São Miguel.

Raimundo Quintal

8 – De onde veio a sua paixão pela natureza e o seu desejo de estudá-la e de preservá-la?

A minha paixão pela natureza, o meu amor pelas plantas, nasceu por influência da minha mãe, Fernanda Florinda de Sousa, que à volta da nossa pequena casa escondida num terreno com bananeiras, vinhas, papaieiras e abacateiras, tratava com desvelo um jardim florido doze meses por ano, e do meu pai, Álvaro Gomes Quintal que, entre outros trabalhos, se dedicava à manutenção de jardins. Com eles aprendi a falar com as plantas. Com eles comecei a descobrir incontáveis segredos e a comtemplar as flores.

No segundo ano do curso de licenciatura em Geografia, na Universidade de Lisboa, tive a sorte de encontrar na cadeira de Biogeografia a Professora Maria Eugénia Soares de Albergaria, natural de São Miguel, se não me falha a memória, da freguesia do Livramento em Ponta Delgada, que me incutiu o gosto pelo estudo das plantas e das suas relações edafoclimáticas.

Mais tarde, com a sua sábia orientação preparei a minha dissertação de doutoramento – “Estudo Fitogeográfico dos Jardins, Parques e Quintas do Concelho do Funchal” – em que estudei 1917 espécies de plantas e 33 espaços verdes.

 

 

Entrevista elaborada por Ana Oliveira
Redactora e Gestora de Conteúdos da Agenda Açores

 

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