Top Azores: 7 mulheres que marcaram a diferença nos Açores

Este Top Azores é dedicado a 7 mulheres que marcaram a diferença nos Açores. Mulheres essas que se destacaram pela sua paixão pelo ensino e educação, pela cultura e artes ou pela sua força, coragem e amabilidade na sua luta pelas dificuldades da vida.

 

Em 2017, a Letras Lavadas editou o livro Vidas – Mulheres Açorianas, uma antologia biográfica de dezoito maravilhosas mulheres açorianas ou que viveram nos Açores, coordenada pela Doutora Ângela Furtado-Brum. No Dia Internacional da Mulher, o Top Azores decidiu destacar 7 mulheres que marcaram a diferença nos Açores dessas dezoito mulheres. Mulheres essas que se destacaram pela sua paixão pelo ensino e educação, pela cultura e artes ou pela sua força, coragem e amabilidade na sua luta pelas dificuldades da vida.

Cecília do Amaral

Maria Cecília Pereira do Amaral nasceu a 31 de Março de 1935, na vila da Madalena, ilha do Pico.

Quando era ainda pequena, os pais decidiram que seria professora e que, para continuar a estudar, depois da quarta classe, havia de ir para o Faial, para o Colégio de Santo António, como aluna interna.

No Colégio, Cecília adorava cantar, sendo considerada soprano, e fazer teatro.

Cecília acabou o quinto ano dos liceus, depois fez o Magistério primário e voltou, por fim, à Madalena, já professora. Estavam no ano de 1954. Concorreu e leccionou no ensino primário, nas escolas da Candelária e da Criação Velha.

A partir de meados da década de 50, começou a dar explicações, de preparação para o exame de admissão aos liceus, a jovens que queriam ir além da 4.ª classe e não tinham posses para ir para o Faial estudar.

Depois de casada, continuou a dar explicações. Não era pelo dinheiro que as dava, porque também era empresária com o marido, mas por saber que só assim alguns jovens da Madalena e arredores poderiam continuar estudos.

Primeiro as explicações eram para alunos que queriam fazer exame de admissão ao Liceu, mas foram-se alargando progressivamente aos alunos que se propunham fazer exame do 2.º ano e, depois, exame de 5.º ano. Este exame constava de uma série de disciplinas, agrupadas em Letras e Ciências.

D. Cecília, sentindo que este trabalho estava a tomar grandes proporções, convidou o professor primário da Madalena, na altura, e mais tarde, Emílio Ferreira. Na segunda metade da década de 60, D. Cecília e o senhor Emílio Ferreira reuniram vários professores, formaram turmas, iam dando explicações em espaços públicos, em casas particulares emprestadas e até no andar de cima da loja comercial de D. Cecília e do marido.
Então, este disse que o melhor era fazer uma casa própria e assim aconteceu. «O Externato de Ensino Liceal Particular da Madalena, já existente em termos  funcionais, teve o seu primeiro edifício próprio a receber alunos a partir de janeiro de 1972.  O Externato Particular da Madalena foi a única escola do concelho, entre 1972 e 1996, até à abertura da Escola Cardeal Costa Nunes.

D. Cecília fez uma incursão na política, sendo candidata pelo CDS/PP, nas eleições legislativas regionais dos Açores, em 1980, mas não chegou a ser eleita para deputada.

A 8 de Março de 2013, aquando das comemorações dos 290 anos do concelho da Madalena, o município homenageou a Professora Cecília, atribuindo a uma das ruas da vila o nome Rua Maria Cecília do Amaral.

Texto de Ângela Furtado-Brum (adaptado)

 

Iracema, Silvina de Sousa

Iracema Silvina Cármen Furtado de Sousa nasceu a 19 de Janeiro de 1877, na cidade da Horta, ilha do Faial. Foi educada em Lisboa, onde recebeu aulas de piano, pintura, dactilografia, dança, além de outras disciplinas básicas. Desde cedo se destacaram os seus dotes literários, com especial propensão para a poesia. Silvina aprendia com facilidade e interesse.

Tal como o pai, um exímio amador de teatro, Silvina também era apaixonada por esta actividade artística. Então, em colaboração com a prima Lídia, arrojou-se a fundar o “Salão de Teatro Éden” em 1916, na Horta.

No Salão de Teatro Éden, houve récitas, levaram-se à cena muitas peças de teatro e projetaram-se filmes da época. Também neste salão se realizavam saraus públicos e particulares, com fins culturais.

D. Silvina também fez parte da «Orquestra Simaria», que ganhou grande fama na Horta e que tinha como maestro o célebre músico e compositor Francisco Xavier Simaria. Em outras orquestras era a própria D. Silvina que regia.

A ânsia de divulgar a cultura, fez com que, em 1918, Silvina de Sousa tenha sido a principal impulsionadora da criação do Colégio Insulano, onde eram ensinadas várias disciplinas como Português, Línguas, Literatura Inglesa e Francesa, Música, Piano, Dança, Canto, Harmónio, Pintura e Lavores de todo o género. Ainda eram ministrados o 1.º e o 2.º graus da Instrução Primária.

Além de ter sido uma grande impulsionadora da cultura, esta senhora foi a primeira mulher açoriana a empregar-se numa instituição bancária, no chamado «Banco Fayal», em 1926.

Após o encerramento do colégio, continuou a dar explicações a título particular, quer estivesse no Faial ou no Pico, ilha onde passava longas temporadas, sobretudo após os 60 anos de idade. Na Madalena do Pico, dava aulas de música, piano, dactilografia e pintura.

No entanto, uma das estrelinhas do seu destino que brilhou mais intensamente foi a da poesia. Utilizava, de preferência, a forma literária de soneto e nele expressava toda a sua alma, com rara sensibilidade e mestria no uso das palavras e rimas. Assinava-as com o pseudónimo de Iracema, escondendo com modéstia o seu enorme talento.

Silvina de Sousa, a prima Lídia e um grupo de actores

Alguns comentadores salientam estar a poesia de Iracema ao nível dos grandes poetas da época e atribuem-lhe o estatuto de a maior poetisa faialense de todos os tempos. O que é certo foi ter publicado ao longo da vida imensos sonetos e outros poemas, nos diversos jornais editados no Faial e no Pico, tendo, mais tarde, reunido alguns numa colectânea a que deu o nome de Saudade, publicada em 1960. Ficou como único livro da sua autoria.

Por ser uma grande impulsionadora da cultura, tanto nas letras como nas artes, Silvina de Sousa foi agraciada a 10 de Julho de 1965 com o grau de Dama da Ordem do Infante D. Henrique.

Texto de Maria do Carmo Correia (adaptado)

 

Leonor Frazão

Leonor da Silveira Tavares de Medeiros Frazão nasceu em 1905, numa família abastada, no concelho da Ribeira Grande, ilha de São Miguel.

Em 1947, veio aos Açores um Padre Franciscano, Frei Mário Branco, extraordinário orador, a quem muitas almas se dirigiam sedentas de orientação para as suas vidas. Entre elas esteve o casal Frazão. Em ambos havia um grande desejo de perfeição para si e para os outros. A prosperidade material não lhes satisfazia a ânsia de mais e melhor. Frei Mário Branco aconselhou-os a instituírem uma obra de promoção social. Ouviram o conselho do franciscano e empreenderam várias iniciativas, entre elas, a distribuição de leite a pessoas idosas, a criação de um clube para jovens numa casa das Calhetas e mandaram fazer um campo de futebol numa propriedade sua, denominada «Casa do Morro», isto para que os rapazes ocupassem sãmente os seus tempos livres e não parassem pelas tabernas.

Em 1949, os caminhos do casal Frazão e de D. Maria Francisca de Vasconcelos, professora na Escola Feminina de Calhetas cruzaram-se. A professora procurou ajuda do casal para colmatar a fome que afligia as suas alunas, pois não havia cantina escolar. O casal Frazão, imediatamente, passou a fornecer uma refeição de sopa a todas as crianças da escola, confeccionada pelas suas empregadas, na garagem de sua casa. As crianças contribuíam com o pão que traziam. Só mais tarde foi inaugurada oficialmente uma cantina escolar.

Desta amizade, nasceu o projecto dos três, a obra do Socorro de Nossa Senhora das Mercês, nas Calhetas, dando início à Casa de Trabalho. À medida que as meninas iam terminando a 4.ª classe, iam ingressando, como alunas externas, na «Casa de Trabalho», onde aprendiam cardação, fiação, tecelagem, corte, costura e bordados. Além destas actividades, as meninas internas ainda se revezavam rotativamente nos trabalhos da vida diária e na economia doméstica, cozinhando, limpando, tirando o leite à vaca, pois D. Leonor e D. Maria Francisca pretendiam dar-lhes uma educação integral, humana e espiritualmente. Foi-lhes ministrada educação religiosa e tinham também aulas para prosseguimento e consolidação dos conhecimentos adquiridos na escola, além de aulas de música dadas por uma senhora da Ribeira Grande, a Sr.ª D. Germana Rodrigues. Um médico, o Dr. Luís Gouveia, vinha dar-lhes noções de enfermagem, puericultura e primeiros socorros.

Num grande desejo de querer sempre mais e melhor, D.ª Leonor e seu marido construíram, em Ponta Delgada, na freguesia da Matriz, um bairro com mais de vinte moradias para fins beneficentes, cujas casas eram alugadas por um preço muito inferior ao praticado na altura, construindo também uma capela, naquele a que agora chamam Bairro Frazão.

Posteriormente, ainda se empenharam na construção, nas Calhetas, de um novo bairro destinado a residências para as protegidas da Obra que fossem casando. Contudo, só chegaram a ser construídas 4 casas, que, segundo consta, foram pagas com o dinheiro proveniente da venda que a Senhora D. Leonor fez de jóias suas.

Texto de Margarida Enes (adaptado)

 

Maria Teodora de Borba

Maria Teodora de Borba nasceu a 25 de Abril de 1931, na freguesia de Norte Pequeno, concelho da Calheta, ilha de São Jorge e morreu a 8 de Fevereiro de 2021, com 89 anos. Apaixonada pela leitura, Maria Teodora de Borba sempre quis prosseguir os estudos, apesar da renitência do pai. No ano de 1949, tinha precisamente 18 anos, foi incentivada a fazer exame para regente escolar, um grau académico que dava acesso à profissão de docente. Teodora fez a viagem até à Terceira, acompanhada pelo pai, e, em vez do Exame para Regente Escolar, foi aconselhada a fazer exame do 2.º ano do Liceu e obteve bons resultados. Entrou então para a Escola do magistério Primário, pois a família opôs-se à sua carreira como enfermeira, como ela desejava.

Depois de quase uma década a leccionar na ilha Terceira, Maria de Borba pediu transferência para a ilha Graciosa, de onde o seu marido era natural.

Professora Teodora com um grande grupo de alunos

Em 1981, foi leccionar História para a escola secundária. Também foi professora da Educação Permanente. Ajudava ainda muitos jovens, preparando-os para os seus exames finais. Dava-lhes explicações fora das aulas oficiais, na sua própria casa.

Estava nesta vida muito preenchida no ensino, quando foi destacada, em 1980, para trabalhar no Museu. Aí fez um trabalho notável! Durante a sua direcção, a casa aonde está instalado o Museu foi comprada, renovada e com o interesse de Teodora foi-se foi adquirindo um espólio de grande dimensão e significado porque D. Teodora pedia, insistia, visitava as casas e tentava adquirir aquilo que ela via que teria interesse para o museu. Ela mesma deu o exemplo e doou, em 1999, uma toalha que ela confeccionara em 1957. É uma toalha de mesa em pano alinhado, bordado a ponto pavão, cheio e matiz.

Foi nomeada para directora do Museu da Graciosa em 1992, cargo que desempenhou até atingir o limite de idade, em 2000.

O empenho e a devoção com que Teodora agarrou neste projecto cresceu e deu frutos. Assim, a Casa Etnográfica que ela tinha sonhado para a Graciosa deu lugar a um museu exemplar, onde podemos encontrar o que de mais antigo tem a ilha. Aqui descobrem-se as artes e os ofícios dos homens e das mulheres daqueles tempos idos. Com tenacidade e empenho, Teodora conseguiu, após as obras de reconstrução do museu, reconstituir, no 1.º piso, a vida íntima da casa tradicional da Graciosa. No piso inferior, Teodora mostrou a história da vinha e do vinho. Este espaço ocupa o maior número de metros quadrados e lá existem muitos utensílios e objectos caídos em desuso, mas que são pedras brancas da vida deste povo a recordar aos vindouros como foi a vida dos seus antepassados. No jardim anexo ao museu, juntou pedras a evocar a história deste povo. No museu, há ainda uma sala destinada a exposições que acolhe trabalhos das mais variadas temáticas e profissões.
D. Teodora criou núcleos museológicos como a Casa das Debulhadoras, que fica no Caminho do Meio em Guadalupe; restaurou o Moinho de Vento específico do lugar, que é de tipo flamengo. Também adquiriu para o museu uma tenda de ferreiro e o Barracão das Canoas Baleeiras. Neste barracão, pode ver-se a Canoa “Restinga”, com 10.60 metros de comprimento, cuja construção data de 1954, lembrando a faina da caça à baleia.

D. Teodora era uma defensora das actividades e trabalhos manuais antigos e foi uma grande impulsionadora da Associação de Artesãos da Graciosa, que, no seu atelier, ensinou alguns trabalhos, como o fiar e o cardar a lã, a costura e o bordado.

Texto de Fátima Contente (adaptado)

 

Natália Almeida

Natália Tomás de Medeiros de Almeida nasceu a 25 de Dezembro de 1940 em Água Retorta, concelho de Povoação, na ilha de S. Miguel.

Nos seus sonhos de menina, talvez por influência ou motivação da profissão de sua mãe, Natália sempre quis ser professora. Desejava aprender para vir a ensinar os seus saberes às crianças e jovens. Na sua relação com as irmãs, vislumbrava-se a sua apetência para orientar, dirigir, passar mensagens e conhecimentos. Veio para Ponta Delgada para estudar no Liceu Nacional de Ponta Delgada o 6.º e 7.º anos, os quais concluiu a 13 de Julho de 1959. Determinada, segura da sua vocação, rumou até Lisboa para estudar na Faculdade de Letras, onde, em 1966, se licenciou em Filosofia e, em 1970, ficaria com o Curso de Ciências Pedagógicas. Realizou o seu estágio pedagógico em Filosofia e História.

Talvez induzida pela mãe que, para além de professora, também foi escritora, Natália cedo sentiu o apelo da escrita. A sua veia literária viria a manifestar-se enquanto aluna no Externato de Santa Maria, como cronista no jornal O Cábula. Destacou-se pelo seu arrojo e frontalidade.
As suas vivências e os seus saberes académicos, aliados à sua imaginação e criatividade, aguçaram a sua sensibilidade literária.
Nascia uma escritora, uma crítica que não se conformava com a continuidade de alguns preconceitos sociais, de dogmas e com gente indiferente, apática. Irreverente, procurou revolucionar esta forma de pensar e de agir, fazendo despertar os seus leitores para se interrogarem a si próprios e à sociedade. Mulher pensante, afoita e corajosa por natureza, emitia o que lhe ia na alma, tecendo considerações pertinentes e actuais.
Confrontou políticas e políticos, acusando estes de desinvestimento. Opinou frontalmente sobre questões sociais, públicas, de educação, éticas, cívicas, morais ou outras. Defendia a mudança de atitude de modo a que fossem valorizadas as competências e os talentos de casa pessoa, envolvendo as mulheres e os homens na construção permanente da sociedade, de modo a torná-la mais igualitária e mais justa.
Denunciava a subserviência abusiva e os poderes instalados.

Valorizava e defendia a mulher, mas incomodava-a a passividade e a inércia de algumas. Para ela, a mulher tinha de ser proactiva, interventiva, tinha de lutar pelos seus direitos, tinha de fazer “coisas”, ter um projecto em que acreditasse e em que se realizasse enquanto mulher e pessoa. Denunciava abertamente a discriminação feminina: «A História ao longo de milénios tem sido uma história de homens, contada por homens. As mulheres foram “esquecidas”, como se fosse possível construir uma verdadeira História sem a participação das mulheres, como afirmou em Natália Almeida e Susana Teles Margarido, Diferentes=iguais em DireitosDemonstra!, 2005). A sua sagacidade e frontalidade como mulher e cidadã e a sua preocupação social, cívica e política levaram-na a posicionar-se sobre diversas matérias, como colunista e cronista, em diversos jornais locais e revistas. Publicou artigos de opinião e colaborou periodicamente em algumas edições.

A Boneca de Trapos Vai Viajar viria a ser a sua obra de maior projecção. O marido ajudou a organizar o livro, que beneficiou da excelente ilustração do pintor Urbano e conta com edição da Publiçor. Em 2007, o Grupo de Teatro Boneca de Trapos, criado em 2000 por ela e por Ana Isabel Ferreira viajava por várias localidades de S. Miguel numa carrinha adquirida no âmbito de um financiamento do então Instituto de Acção Social (IAS). Foi transformada em ludoteca itinerante para levar animação infanto‑juvenil a várias localidades da ilha de S. Miguel. Natália ainda organizou workshops com fins educativos e destinados ao público infantil.

A versatilidade de Natália levou-a a integrar os órgãos sociais de algumas IPSS, como a Associação de Seniores de S. Miguel, da qual também foi fundadora, e a Associação de Doentes com Lúpus. Fez parte dos corpos dirigentes do Sindicato dos Professores da Região Açores (SPRA), colaborando em diversas iniciativas. Trabalhou com a Dr.ª Manuela Ramalho Eanes na criação da Delegação Açores do Instituto de Apoio à Criança (IAC), tendo pertencido aos seus Corpos Sociais.

Texto de Corália Furtado (adaptado)

 

Natália Correia

Natália Oliveira Correia nasceu na freguesia de Fajã de Baixo, concelho de Ponta Delgada, ilha de São Miguel, a 13 de Setembro de 1923.

Do pai, a escritora herdou a beleza física e, da mãe, a inteligência, a riqueza interior, o poder de contestação, a firmeza e a paixão mágica pela vida. A presença da mãe na vida de Natália constituiu o motivo impulsionador da sua alegria, força e coragem; a sua elegância, firmeza e sensibilidade marcaram a personalidade de Natália. Desde cedo, a mãe deu-lhe a conhecer o mundo maravilhoso dos livros e da música, despertou-lhe o amor pela leitura, pelos clássicos e pela mitologia.

Só em 1969, trinta e cinco anos volvidos sobre a ida definitiva para Lisboa, para estudar no Liceu Filipa de Lencastre, Natália visitaria S. Miguel. Numa viagem aos Estados Unidos, em 1949, Natália aproximou-se da sua terra natal quando fez escala na vizinha ilha de Santa Maria, mas apenas o seu coração pôde voar e lá aterrar.
Seriam necessários mais vinte anos para voltar a senti-la e de novo vivenciar os seus espaços.

Na sua casa, em Lisboa, a mãe organizava serões com muitos amigos, onde se falava de literatura, lia-se poesia, discutia-se a actualidade na companhia de amigos escritores, pintores e músicos. Então, Natália intensificou a sua paixão pela leitura e pela cultura.

Distante, desenvolveu uma relação filial com a Ilha-Mãe, os seus mistérios, belezas, vulcões e mar imenso. Da insularidade real evoluiu para uma insularidade imaginária, feita de recordações que a aproximavam da sua terra, carregando de saudade os seus textos literários.

Natália começou a interessar-se por todos os acontecimentos literários e políticos da vida nacional e mesmo internacional e conheceu um dos seus grandes amigos – Mário Soares. Em 1942, com dezanove anos, casou com Álvaro dos Santos Dias Pereira. Pela primeira vez, Natália afastava-se fisicamente da mãe, uma separação que intensificou a sua dependência maternal, vindo também a reflectir-se na sua poesia.

Nessa época de quarenta, Natália Correia desenvolveu intensa atividade conciliando o jornalismo, a literatura e a política. Na literatura, estreou-se, em 1945, no romance com uma publicação infantil, Aventuras de um Pequeno Herói; a sete de Abril de 1946, o seu primeiro poema “Manhã Cinzenta”, dedicado à partida de S. Miguel; Anoiteceu no Bairro (ficção) e Rio de Nuvens (poesia) surgem em 1947. Nestas obras a escritora evidencia a sua sensibilidade e vertente romântica.

Na segunda metade da década de quarenta e, paralelamente à sua actividade literária, em 1944, Natália Correia iniciou um percurso de intervenção política na Imprensa Portuguesa bem como através da sua poesia.

Lutando sempre pela liberdade de opinião e de expressão, Natália dizia exactamente o que pensava. Usando o seu direito de cidadã responsável, debateu-se corajosamente contra a ditadura salazarista e, posteriormente, contra o marcelismo a favor da liberdade. Colaborando com vários jornais, desenvolveu e representou as maiores preocupações políticas, sociais e culturais. No jornal Sol denunciou a asfixia dum meio cultural mesquinho da cidade, as nefastas consequências da guerra no mundo, os tabus, o ostracismo e castração a que milhões de mulheres são condenadas, problemas sociais, erros políticos, num dilema constante e doloroso entre o que devia escrever e o que podia escrever não censurável aos olhos da Censura.

Em 1950, Natália Correia casou com Alfredo Lage Machado, cavalheiro distinto que sempre compreendeu os seus anseios, a acompanhou e apoiou durante a sua longa vida em comum. Alfredo Machado faleceu em 1989.Em 1953, o casal passou a habitar o quinto andar do nº 52 da Rua Rodrigues Sampaio em Lisboa. Esta casa, onde Natália viveu até ao fim da vida e onde recebeu os maiores vultos da cultura nacional, tornou-se num importante salão de criação literária e centro de tertúlia.
Realizavam-se festas a que não faltavam os amigos íntimos, fazia-se teatro, declamava-se poesia, cantava-se e criticava-se a política fascista do regime de Salazar.
Estabeleceu sólida amizade com figuras de renome como Mário Cezariny, Eugénio de Andrade, Almada Negreiros, David Mourão‑Ferreira, entre outros escritores, poetas e artistas.

Natália Correia foi uma mulher de raro talento. Expressou-o majestosamente no plano literário – poetisa, romancista, dramaturga, ensaísta, jornalista – na representação, no desenho e no canto. A sua voz feminina e límpida encantava: cantava canções populares portuguesas e algumas americanas da época.

Em 1964, Natália Correia conheceu José de Almeida, líder da FLA (Frente de Libertação dos Açores) com quem estabeleceu forte relação de amizade e, juntos, empenharam-se na discussão de questões referentes ao Estatuto da Autonomia dos Açores.
Nesses anos 60, além da tradução de obras importantes da literatura estrangeira, Natália Correia foi autora de textos dramáticos e de antologias. Dessas obras destacam-se A Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica de 1966 e O Homúnculo de 1965. Esta é considerada “uma das raras obras mestras” que satiriza impiedosamente a figura de Salazar.

A sua incursão na política começou logo nos anos quarenta, mais precisamente no ano de 1945, participando no MUD (Movimento de Unidade Democrática), um movimento de oposição ao Estado Novo.
Passou pelo PS, pelo PSD e pelo PRD, mas, como era uma amante e defensora incondicional da liberdade, nunca se vinculou a partidos políticos, participando nas propostas de uns ou de outros, de acordo com os ideais do socialismo democrático. A sua entrada no Parlamento em 1981 foi saudada com muito entusiasmo pelos deputados. As suas intervenções parlamentares, por vezes polémicas, na defesa das Mulheres e dos Direitos Humanos ficaram célebres na história do Parlamento português.

Depois de uma intensa vida de poesia e de contestação contra tudo o que corte a liberdade do ser humano, Natália Correia faleceu com 69 anos, a 16 de Março de 1993, vítima de enfisema pulmonar. As suas cinzas estão depositadas no jardim interior da Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, biblioteca onde estão arquivadas obras, manuscritos originais e fotografias da biblioteca particular da poetisa.

Texto de Ana Rosa Costa (adaptado)

 

Regina Tristão da Cunha

Regina de Azevedo Pires Toste Tristão da Cunha nasceu a 7 de Setembro de 1934 na freguesia da Sé, concelho de Angra do Heroísmo, ilha Terceira.

Quando acabou o ensino primário, fez o exame de admissão, entrando para o Liceu Nacional de Angra do Heroísmo, Padre Jerónimo Emiliano de Andrade.

Na altura do Liceu, leu O Inferno, de Dante, a obra que na vida mais a tocou. Depois, frequentou a Escola do Magistério Primário, que funcionava no velhinho Liceu de Angra. Em 1954, ao acabar o curso, exerceu as funções docentes na Escola da Sé, na Serreta, Juncal e Praia da Vitória.

Acabou por constituir família, viver e trabalhar na ilha de São Jorge, onde lecionou nas Manadas, nos Biscoitos e, mais tarde, na Escola Preparatória Padre Manuel d’Azevedo da Cunha, sediada mesmo na Vila da Calheta.

Regina Tristão da Cunha desenvolveu várias actividades na Vila da Calheta. Levou à cena o primeiro teatro do Ciclo Preparatório da Vila e ajudou a criar o Núcleo da Cruz Vermelha da Calheta de S. Jorge, tendo sido sua presidente de 1980 a 1988.

Entre 1983 e 1993, foi a responsável pelo Grupo Etnográfico da Calheta de S. Jorge, levando a cultura jorgense a muitas partes: Continente português, Madeira, Estados Unidos da América, Canadá, Espanha e outras ilhas açorianas. Parte dos fundos para estas deslocações eram adquiridos em festas e teatro, realizados pelos próprios elementos do Grupo.

O empenho pelo futuro da terra fê-la aceitar entrar na área da política, a que se dedicou temporariamente. Entre 1979 e 1987, foi Presidente da Assembleia Municipal da Calheta por dois mandatos. Participou em congressos do PSD e foi deputada na Assembleia Legislativa Regional por esse partido, de 1989 a 1993, defendendo os interesses da Ilha de São Jorge, que a elegeu democraticamente. Esse empenho e entusiasmo em defender a ilha que adotou como sua ficou também bem documentado em o «Pulsar da Região», programa de televisão onde D. Regina foi comentadora residente.

Após algum tempo de dedicada investigação e recolha da etnografia da ilha de S. Jorge, no ano de 2000, publicou o livro Da Tecelagem ao Trajo – Aspectos da Vida Jorgense. Este livro deu origem e motivação ao cortejo etnográfico de trajes do século passado, realizado no “Festival de Julho” de 2002, pela Câmara Municipal da Calheta. Foi organizado pelo Grupo Etnográfico da Calheta, sob a sua orientação, apresentando trajes da ilha e outros do séc. XIX e XX, vindos da Terceira e do Continente.

E a sua actividade de escritora continuou. Em 2002, iniciou a colecção de contos Kathy – Férias nos Açores, uma série de nove livros sobre a cultura e o património de cada ilha dos Açores, da BLU Edições. Os volumes desta colecção referentes a todas as ilhas fazem parte d’ O Plano Regional de Leitura (PRL) e são recomendados para Leitura Orientada, no 2.º ciclo.

Depois de parte da sua vida dedicada ao ensino e à cultura da ilha, Regina Tristão da Cunha foi agraciada com a medalha de Mérito Municipal, pelo Município da Calheta, no dia 25 de Novembro de 2012, dia de Santa Catarina e feriado municipal.

É digna de realce a colaboração desta professora e escritora em vários jornais açorianos, nomeadamente, em A União, Jornal Português da Califórnia, Correio de S. Jorge e Diário Insular.

 

Texto de Fátima Contente (adaptado)

 

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