As Cavalhadas de São Pedro constituem um dos pontos altos das Festas da Ribeira Grande, e o cortejo reúne cavaleiros, lanceiros, corneteiros e o rei que, trajados a rigor, fazem um percurso que começa junto ao Solar da Mafoma e, ao som de cornetas, dirigem-se para o centro da cidade, até à igreja de S. Pedro.
Conhece um pouco sobre a tradição das Cavalhadas de São Pedro na Ribeira Grande, entre a lenda e a História.
Possíveis origens da tradição
Reconstituição de 1563 no Pico do Sapateiro/Emanuel Carreiro e Victor H. Forjaz
No mês de Julho de 1563 decorreu a erupção do Pico do Sapateiro, que soterrou a freguesia da Ribeira Seca, cujo acontecimento é visível nas ruínas de um antigo fontanário da época, que se encontra soterrado.
Foto: Câmara Municipal da Ribeira Grande. O fontanário, que é possível observar em frente à actual igreja de São Pedro, na freguesia da Ribeira Seca, Ribeira Grande, é uma memória única da erupção vulcânica ocorrida em 1563 e que soterrou o lugar da Ribeira Seca.
O historiador Gaspar Frutuoso, vivo à data deste episódio vulcânico, refere, a propósito deste algar, que dele brotou “…uma ribeira de fogo pela Ribeira Seca abaixo até chegar ao mar, correndo mansamente como metal derretido…“.
Não foi somente a lava emanada da erupção vulcânica através deste algar que contribuiu para a origem do Pico do Sapateiro. Foi antes formado a partir de uma série de vulcões que se verificaram no Sul da freguesia da Ribeira Seca, de que restam ainda algumas crateras. Na parte superior deste pico pode assim observar-se quatro pequenas crateras, uma das quais encima este algar, formado durante a erupção vulcânica de 1563.
Após este acontecimento, os ribeiragrandenses, de forma a agradecer a São Pedro, os milagres ocorridos (o facto de a igreja de São Pedro – localizada na freguesia de Ribeira Seca – e respectiva imagem do santo padroeiro, terem ficado intactas durante a erupção vulcânica), levaram um Governador seu a vir, em cavalgada, acompanhado por mordomos do Divino Espírito Santo.
Foto: Câmara Municipal da Ribeira Grande. Apesar de a igreja de São Pedro ter sido poupada, a escadaria foi soterrada pela lava
Já outros sugerem que foi um mouro, que para se afirmar cristão, organizou uma procissão de Cavaleiros, onde usou uma máscara, tendo feito uma peregrinação até ao Apóstolo Papa.
Outros mais asseveram que o Rei das Cavalhadas representa o Chaveiro do Céu, quando este, em pregação, congregava multidões para a fé no Senhor.
Outros ainda afirmam que os Cavaleiros daquele seguidor de Cristo fazem lembrar torneios e manifestações teatrais de épocas tardo-medievais.
Cavalhadas de São Pedro actualmente
Foto: Flavius Atlantikus. As Cavalhadas iniciam-se e terminam no Solar da Mafoma, na Ribeira Seca
A tradição secular inicia-se com a concentração dos cavaleiros no Solar da Mafoma, pelas 11.00 horas onde serão avaliados por um júri de acordo com o regulamento municipal. São valorizados como pontos a favor aqueles que se apresentem com sela portuguesa e revelem boa postura no montar a cavalo.
Abre com o “rei” ladeado por dois lanceiros (vassalos), seguidos por duas alas com dezenas de cavaleiros, aparecendo no meio delas três corneteiros e com um fecho vigiado por outros dois lanceiros.
Foto: Câmara Municipal da Ribeira Grande. O “rei” (personificação de São Pedro com suas barbas) é quem encabeça o desfile
No Solar da Mafoma é declamada uma Embaixada ao Apóstolo Pedro [‘Eu venho à vossa presença/ para vos pedir licença/ a São Pedro o Pescador/ que receba a nossa embaixada/ que trago na mente gravada/ a doutrina do Senhor’, s.d.] e dadas Sete voltas – dizem que relativas aos Sete Dons do Espírito Santo – em redor do seu templo.
Foto: Eduardo Costa / Açoriano Oriental. O rei e um dos «lanceiros» em frente aos Paços do Município da Ribeira Grande
Em seguida, a comitiva vai aos Paços do Município da Ribeira Grande, mesmo ao lado da igreja do Espírito Santo [também conhecida como do Senhor dos Passos ou da Misericórdia] e do Jardim Municipal, onde procede a uma embaixada de cortesia junto das autoridades municipais e dá três voltas em redor do mesmo Jardim [suposto ser em redor daquela igreja] num apelo, dizem, para a necessidade de Deus, em Santíssima Trindade, e presença viva através da Fé, Esperança e Caridade, percorrendo de imediato a igreja Matriz [uma volta] e a ermida de Santo André, porque irmão de Pedro [três voltas, freguesia da Matriz], e ruas de todas as freguesias citadinas.
As Cavalhadas terminam no pequeno palácio da Mafoma.
Englobada na tradição estão também as cavalhadas infantis, que se iniciam pelas 12.00 horas, que costumam juntar cerca de meia centena de crianças, trajadas a rigor, com trajes de cavaleiro e montadas em cavalos de madeira.
Alâmpadas
Foto: Ariadna Bach. As alâmpadas servem para agradecer à fecundidade da terra e atrair sorte nas colheitas
Associada a esta tradição das Cavalhadas surgem as denominadas “alâmpadas”, cuja forma reproduz a de um lampadário. São arranjos florais, de hortênsias e bordões de São José, que, além de flores, incluem frutos da época, como milho, pepino, ameixa, laranja, tangerina, limão e ananás e que ornamentam as ruas “em oferta a São Pedro”.
Estes longos cachos adornam muitas casas, que as penduram à sua porta, e que são oferecidas a São Pedro precisamente para que, segundo reza a história, as pessoas tenham um ano de fartura no que diz respeito a colheitas, como fizeram os seus antepassados ao agradecerem ao Santo Chaveiro pelo renascer da terra depois de estéril devido às seculares crises vulcânicas.
Marchas de São Pedro
Foto: Câmara Municipal de Ribeira Grande
Na noite anterior à festa de São Pedro, como não podia deixar de ser, as ruas do centro histórico da Ribeira Grande e da freguesia da Ribeira Seca engalanam-se para receber as marchas populares, que dão um verdadeiro colorido à cidade.
Fontes:
“Cavalhadas de São Pedro – Entre a Lenda e a História”, in Portal do Divino
“Erupção do Sapateiro”, in Geocaching