Crítica literária ao livro Segredo da Visita Régia aos Açores, de Henrique Levy, por Luís Rego, em mais uma rubrica da Desassossego Literário.
Este é logo um ponto de partida que me fascina, pois sendo a narrativa contada por uma personagem feminina, algumas das tais descrições emanam uma certa virilidade, e isto, ao contrário do que possa parecer, torna a personagem mais interessante. No fundo, acaba por dar corpo àquele velho conceito: uma senhora na sala, uma doida na cama. É como um caramelo salgado. Por menos lógica que possa fazer um caramelo que é salgado, quando o provamos percebemos que faz todo o sentido. Mas este, este é apenas um pormenor deste pequeno grande livro.
Quando digo pequeno, é sem qualquer desprimor. Muito pelo contrário. Aliás a pergunta que se impõe quando acabamos de ler o livro é como é que o Henrique conseguiu lá meter tantas coisas. É impressionante!
Falo daquilo que me marcou, porque se for falar de tudo, acabo por escrever um livro sobre o livro!
Marcou-me o estilo escorreito, direto ao assunto, com ritmo, cadência e dinâmica narrativa. Tudo isto sem deixar de fora um pormenor. Quer dizer, não sei quantos pormenores pode o Henrique ter deixado de fora da história, mas os que decidiu colocar são absolutamente estratégicos para a definição das personagens e narrativa. Em muito pouco tempo estamos contextualizados com personagens, cenários e condição social e política do país. A história principal esconde-se por detrás de um enorme pano (daqueles feitos com um rico tecido de origens exóticas) de fundo que é a visita régia aos arquipélagos da Madeira e dos Açores. Achei graça ao facto de o enfoque da narrativa ser, obviamente, na parte da visita aos Açores. O Henrique pode e sabe escrever sobre qualquer ponto ou geografia do mundo, mas definitivamente que o faz a partir dos Açores, da Mediana, ali para os lados da Ribeira Grande. Como açoriano, tenho que achar graça a este ponto.
A história desenvolve-se em torno de um jovem casal que é convidado a participar na tal visita régia. Pelo meio, vão acontecendo uma série de eventos surpreendentes, a um ritmo também ele surpreendente. A fazer nota da belíssima cena em que um projeto de bandeira republicana aparece dentro da caixa de um chapéu a bordo do navio onde segue o monarca. Peço desculpa pela comparação, que talvez só aconteça por se reportar à mesma época, mas nesta fase do livro há momentos em que parece que estou a ler Conan Doyle, talvez pelas carruagens, pelo mistério e pelo suspense.
A carga emocional do livro também é muito forte sendo a personagem principal confrontada com quase tudo, líbido, (próprio e alheio), luto, traição, mentira, tensão, doença, boato, violência, num país também em profunda mudança. A república, que me parece ser um conceito do qual o livro não gosta assim muito, estava em plena marcha e fica a ideia que seria imparável. Lá está, para desgosto de grande parte das personagens, incluindo a personagem principal, mesmo desnorteando o leitor quando por razões sentimentais, se aproxima de uma ideia e de uma simbologia bem republicana. Esta ambiguidade creio contribuir para o talhar de uma personagem bem real, uma verdadeira mulher do final do século XIX a virar para XX. Uma mulher dos dias de hoje dificilmente agiria ou pensaria daquela forma.
Tudo isto para dizer que me recuso a estragar mais o livro ao Henrique ao descortinar pormenores que só devem ser realmente descobertos aquando da leitura deste magnífico livro. Se puderem, leiam-no de uma só vez, como se faz com um bom filme.
Luís Rego (Copywriter)
Janeiro 2021
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