Júlio Tavares Oliveira lança o seu mais recente livro de poesia “NOMES”, no dia 26 de Junho às 19:00 h, em directo no Facebook da Agenda Açores e da Letras Lavadas e no Youtube da Letras Lavadas.
À Agenda Açores, o jovem poeta lagoense Júlio Tavares Oliveira afirma que NOMES foi escrito na procura pela redenção e que é este o papel da poesia, o de redimir, embelezar e dar sentido à nossa vida e admite ser um «sonhador apaixonado pela origem, essência das coisas».
NOMES é o mais recente livro de poesia de Júlio Tavares Oliveira
1 – No seu mais recente livro de poesia, NOMES, procura homenagear as pessoas que mais o marcaram, dedicando a elas pelo menos um poema, não esquecendo, também, o próprio leitor. Porque sentiu necessidade de o fazer? E porque decidiu partilhar com todos essas homenagens tão pessoais?
A procura de uma redenção será a melhor resposta. Acreditando, como eu acredito, que a poesia tem o poder redentor que tem, não achei maneira mais segura de deixar proposta a presença dessas pessoas às outras pessoas, neste caso aos hipotéticos leitores. Todas elas assumem uma função neste livro – a função de lhe dar um sentido. As pessoas são poemas, e dizê-las em poema não é mais do que trata-las pela sua origem, mantendo a origem delas. Nada é menos ou mais surpreendente do que escrever sobre a alguém: esse ‘alguém’ já é algo escrito.
2 – Os seus poemas reflectem muito a questão da morte, do amor e da sua importância, e de certa forma o vazio existencial e a banalidade do quotidiano numa sociedade capitalista, em que mais não somos do que «números de contribuinte / que mal / conseguem soprar as velas / do bolo / do seu aniversário / pedir desejos (p.27), e cuja luta só faz sentido «apenas no sentido da leitura da água do gás e da luz / a partir do dia vinte e cinco de cada mês / das contas correntes para pagar / do crédito usado para comer», (p. 25) mas também a urgência de se ser resiliente e «ir dando sentido à luta sem se depender disso para comer» (p. 26), além da incógnita do futuro. Porquê a escolha destes temas? A poesia é para si uma forma de expurgar os seus medos e as suas ânsias?
A poesia vai sublimando e combatendo os dias. Não os substitui, mas de certa forma os redime. Daí o poder de que falava: o poder redentor da poesia. É um espelho, ou deve ser, da realidade, crua, nua e dura, mas, ao mesmo tempo, deve sobrepor-se a essa mesma realidade por forma a redimi-la, a embelezá-la, a dar-lhe algo por que valha a pena aguentar a respiração por baixo de água. Quem não vive por baixo de água? Todos nós somos seres à espera duma superfície. A poesia é quase isso – superfície.
3 – A preservação da memória e, de certa forma, a imortalização de pessoas importantes é muito importante para si. A conclusão da colecção “Filhos e Servos”, o primeiro estudo completo sobre os sacerdotes do concelho da Lagoa, a Presidência da Associação Jovem Lagoense e agora a criação da Associação União Solidária, em que é um dos membros fundadores, e ainda o seu mais recente projecto de estudo: Lagoenses Distintos são um exemplo disso mesmo. Na imprensa já confidenciou que o seu trabalho pretende ser um «contributo para devolver à terra [Lagoa] a dívida impagável de ter nascido nela». De onde vem esse amor tão grande pelo seu concelho e a necessidade de dar tanto a ela, ao ponto de no poema Iluminem (p. 57) solicite que iluminem mais o mundo e o salvem com a sua morte? Sente que esse amor é recíproco?
Esse poema não é virado para mim. É para um colectivo “nós” – que nos devemos tanto iluminar uns aos outros. Ser luz uns para os outros, e para nós próprios. Provavelmente, com gestos mais ou menos certos, de amor, não se precisam de complexidades, somos capazes de gerar tanta luz à nossa volta. O facto de ser muito interventivo na minha Lagoa vem do prazer em dar sem receber nada em troca. Sou muito feliz fazendo o que faço, não olho ao capital das coisas, nem em sair beneficiado, mas ao que delas de bom pode advir. Sou um sonhador apaixonado pela origem, essência, das coisas – não gosto de fugir de mim mesmo. Não tenho medo de me apaixonar por coisas impossíveis.
4 – Em notas de imprensa anteriores assume-se como «católico desde sempre», e que redescobriu a sua fé que achava ter perdido devido a certas vicissitudes pelas quais passou. Qual é a importância da espiritualidade na sua vida e obra?
Deus é uma descoberta – dele e de nós próprios. Não deve ser encarado como um fim em si mesmo. Vamos sempre descobrindo a resposta sobre a resposta sobre a resposta, pergunta a pergunta. É um existir em si mesmo existindo sem existir. Existe mas vai renovando a exigência de Ser Deus. Deus é aquilo que nós fazemos dele… Mais nada. Deus é somente Deus quando é pensado, reflectido e materializado. Quando somos somente subserviência passiva, até podemos acreditar Nele, mas não o praticamos. Praticar Deus é iluminar, gerar amor, ser-se continuamente à Sua imagem e semelhança.
5 – Afirma que Eugénio de Andrade e Florbela Espanca foram os poetas de referência que o fizeram escrever os seus primeiros poemas. Eles continuam a ser os seus poetas de predilecção ou conheceu outros poetas com os quais se identifica mais? E qual é a sua opinião acerca da poesia açoriana e seus poetas actuais?
A partir do momento em que cada qual para si escreve – como quer, quando quer, e se quer – então para mim estamos num bom caminho. Discordo quando se reduz a literatura aos clássicos ou aos contemporâneos mais vendidos ou então àqueles discretos que são mal vendidos mas postos no altar das Letras. Estamos todos em pé de igualdade quando começámos do mesmo ponto de partida (do analfabetismo). E continuamos em pé de igualdade, de igual para igual, a vida toda. Um livro é um livro; ponto. Não há barreira qualificável – apenas o objecto. Num sentido de substância ou de estética literária, podem haver algumas diferenças de qualificação, e daí devem existir as opiniões, mas nunca devemos reduzir uma opinião à exclusão definitiva do seu autor. Não há literatura de primeira nem de segunda, autores de primeira nem de segunda, e ninguém deve jamais ser criticado por ser livre de escrever o que pensa, como quer e quando quer. Como pode! Não existe tal coisa como literatura de primeira ou de segunda – existe literatura. Boa ou má? É relativo. É subjectivo. Ninguém surge como nomeado para a dar a opinião que contará por todas. Não há unanimidade, nem deve haver: devem existir escolhas e opções. Não defendo a liberalização das Humanidades, mas também não sou da opinião de excluir ninguém do processo (de aprendizagem e aposta) que as Humanidades iniciam em cada qual. O problema, nos Açores, é que existem muitos círculos, circuitos, miudezas, puros e impuros. Deixem cada qual escrever o que bem lhe apetecer. Ajudem-se uns aos outros a serem mais e melhor. A má literatura, se tal coisa existe, é tão necessária como a boa. Todas fazem caminho.
6 – O seu livro NOMES tem recebido boas críticas de nomes de renome no campo da literatura, como Onésimo Teotónio Almeida, Leonardo Sousa, Daniel Gonçalves e Urbano Bettencourt. Isso deixa-o orgulhoso? O que este livro tem em comum e o que o distancia das restantes obras poéticas que já escreveu?
Não me deixa orgulhoso. Desafia-me. Este livro inicia um ciclo. E fecha um ciclo. Ciclo pequeno. Este livro é, em si, um desafio. De o merecer, e ir merecendo, constantemente. Convite a ser melhor. Foi bom escrevê-lo, porque reduziu os outros à sua insignificância. Mas, ao mesmo tempo, é só um livro – que mais pode advir disso? Nada. Um livro é sempre um objecto vivo. E, como tal, morre se não se fizer por merecer a si mesmo – e para si mesmo, também. Os livros que vão além dos seus autores, como é o caso deste para comigo, são bem difíceis de se alcançar. Os elogios não me deixam orgulhoso; se tenho orgulho de alguém, é deste livro, não de mim mesmo. Se me sinto orgulhoso de alguém – é deste livro, não de mim.
Entrevista elaborada por Ana Oliveira
Redactora e Gestora de conteúdos da Agenda Açores
Poderás adquirir o livro NOMES, de Júlio Tavares Oliveira, na Livraria Letras Lavadas, em Ponta Delgada, ou na loja online, aqui!