endas açorianas que te vão deixar com os cabelos em pé

Encantados, diabretes, bruxas, feiticeiras, fantasmas e lobisomens fazem parte do folclore português, e nos Açores não é excepção. Assusta os teus amigos com estas tenebrosas lendas açorianas que te vão deixar com os cabelos em pé!

 

No dia 31 de Outubro celebra-se o Halloween, e o Top Azores decidiu dar um “toquezinho açoriano” nesta tradição de origem celta, que significa Véspera do Dia de Todos-os-Santos, com algumas lendas açorianas mais aterradoras, ideais para se contar aos amigos e familiares à volta da fogueira no dia mais assustador do ano! Todas as lendas aqui expostas foram retiradas do livro Açores: Lendas e outras histórias, de Ângela Furtado-Brum.

Leia o artigo se tiver coragem!

 

1. A ilha encantada e Beltrão da Cota (S. Miguel)

Foto: O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman (1957)

Beltrão da Cota era um jovem escudeiro, desejoso de glória e de feitos ti que o fizessem merecer uma estátua em seu louvor. Não havia outro mais vaidoso nem mais zeloso da sua obrigação. Usava sobre o tronco, como emblema do seu apelido, uma brilhante cota de malha de metal entrelaçado e os metais das suas armas estavam sempre reluzentes, prontos para desempenhar grandes façanhas. Muitas vezes, pelos finais do século dezassete, ouvira seu tio, D. Francisco de Menezes, já velho, reclinado numa poltrona, na sua casa na cidade de Ponta Delgada, contar uma história incrível. Dizia-lhe que indo certa vez em viagem da Terceira para a corte, na nau Esperança, se tinham perdido, devido a uma tormenta que se levantara na véspera do dia de S. Sebastião. Depois de passarem toda a noite rezando ao glorioso mártir, o dia amanhecera admirável e encontraram-se peito de uma ilha nunca vista até então por qualquer marinheiro. Avistaram um grande cais onde passeava gente com cavalos. Aproximando-se tinham visto um rio onde havia navios e galeras. Mas, de repente, ouviram um trovão e tudo desapareceu como por encanto.
Beltrão da Cota, que lia o D. Quixote de la Mancha de Cervantes, andava alucinado com aquela descrição da Atlântica e imaginava vir a ser o descobridor e conquistador dessa ilha misteriosa, assumindo que para tal tinha de pôr em prática a divisa dos Cotas: “Sem sangue não há vitória”.
Embalado nos sonhos de D. Quixote, tinha-se também apaixonado por Casimira de Kent ou do Canto, uma fidalga de Ponta Delgada, descendente do inglês João de Kent. Contudo jurava não se casar com ela antes de honrar o seu nome com esse feito, mesmo que tivesse de vender a alma ao diabo ou morrer na empresa gloriosamente.
Casimira era modesta, simples e, levada pelo amor, desejava apressar o casamento. Vendo que o jovem Beltrão pensava antes de tudo em grandes façanhas, consultou o livro de S. Cipriano e, seguindo as instruções, furtou um lenço ao amado, ensopou-o na pia baptismal e passou-o a ferro, sorvendo o fumo e dizendo algumas palavras mágicas. Feito isto, perfumou o lenço com essência de flor de laranjeira e voltou a metê-lo no bolso de Beltrão.
Estavam num serão em Ponta Delgada. O jovem Cota sentiu logo intensamente o fogo da paixão e dirigiu lindíssimos galanteios a Casimira. Porém, como um tom cavaleiro, sentia que primeiro estava a submissão a Deus e só depois à sua dama.
Numa tarde de Outono, ao voltar da pesca, aproximou-se dele um desconhecido homem do mar que lhe disse ter visto nessa manhã a ilha misteriosa. Combinaram logo ali o embarque para o dia seguinte.
Casimira, ao ser informada desta decisão, ficou possuída por negros presságios e, com todo o carinho de uma mulher apaixonada, tentou que Beltrão desistisse de uma empresa tão arriscada. Nada conseguiu e da janela do solar viu, ao raiar da manhã seguinte, o jovem Cota e o marinheiro desconhecido fazerem vela.
Não tardou que o barco se transformasse num cavalo com asas de águia, cabeça e pés de leão que voava sobre as vagas. O desconhecido marinheiro era o diabo que, à vista da ilha desconhecida, declarou estar ali para servir Beltrão, mas exigia que assinasse com sangue a venda da alma. Beltrão, aterrado, assinou e ao mesmo tempo ouviu-se ribombar um trovão, uma nuvem medonha escureceu os ares e tudo se perdeu no abismo.
O cadáver de Beltrão da Cota, que vendera a alma ao diabo, nunca mais deu à costa micaelense e a ilha misteriosa nunca mais foi encontrada.

 

2. Sina de lobisomem (S. Miguel)

Foto: Lobos de Arga, de Juan Martínez Moreno (2012)

Em Vila Franca do Campo, há cerca de um século, havia um ferreiro, pai de muitos filhos, sendo um deles Valério. Este, enquanto criança era feliz, mas a alegria foi-se tornando em tristeza com o passar do tempo, porque sonhava, todos os anos no dia do seu aniversário, que a sorte lhe destinava uma sina terrível.
No dia em que a mãe deu à luz o décimo terceiro filho, soltando pragas, com um sorriso endemoninhado na cara, Valério deixou a casa do pai e partiu sozinho pelo caminho fora. Tinha-se cumprido a voz do povo que reza o seguinte: toda a mulher que tenha treze filhos machos seguidos um deles, quase sempre o mais velho, será lobisomem durante treze anos.
Em casa do ferreiro foi um dia de sofrimento, de juízo, enquanto que pela freguesia inteira as pessoas, cheias de medo, não se cansavam de fazer benzeduras. Correra a nova que Valério se tinha transformado em lobisomem e, a partir desse dia, depois de escurecer, ninguém tinha coragem de passar por casa do ferreiro nem de sair sequer fora da porta altas horas da noite.
Durante os serões de Inverno, tremendo de medo, contavam que o filho do ferreiro se aproximava das casas, dava coices nas portas, arrastava correntes, soltava gemidos de dor quando o diabo, com o forcado em brasa, o picava. Alguns lamentavam:
— Coitado! Que sofrimento, transformado em besta-fera, escorrendo sangue de muitas feridas!
Passaram-se assim treze anos sobre o dia em que Valério tinha deixado a casa do pai. Ao entardecer desse dia, o padre da freguesia, o sacristão, que carregava a caldeirinha e a cruz, e o ferreiro puseram-se a caminho em direcção aos montes. Andaram, andaram, sempre calados, até que, já depois de anoitecer, chegaram a um lugar onde havia uma encruzilhada. Pararam e ficaram esperando. Momentos antes da meia-noite, um barulho, como se um cavalo se aproximasse a correr, despertou os três homens, O ferreiro, cheio de emoção e medo, balbuciou:
— Aí vem ele!
— Fé em Deus! – exclamou o padre, levantando bem alta a cruz. O sacristão, tremendo de terror, benzeu-se e, nesse preciso momento, um animal de aspecto medonho, fazendo um estrondo, passou.
Dominus vobiscum, spiritu malum! – gritou o padre, ao mesmo tempo que atirava sobre a besta água benta.
Imediatamente o animal desapareceu e, no seu lugar, ficou uma nuvem de fumo, que foi subindo, subindo até desaparecer. O padre benzeu o sítio e os três homens voltaram para casa do ferreiro. Aí fez-se uma grande festa porque a triste sina de Valério tinha acabado. Cantaram ao desafio, dançaram o “Pezinho da Vila”, enquanto o melhor vinho que havia na adega refrescava as gargantas cansadas. No meio de tanta alegria e gargalhadas, só Valério ainda parecia triste, lembrando talvez os tormentos que tinha passado durante treze longos anos e dizia baixinho:
— Pelo ei se isto me torna a acontecer.

 

3. As lavadeiras encantadas ou as feiticeiras do tanque (Graciosa)

Imagem: Washer Woman, de autor desconhecido

As mulheres das Fontes e do Tanque, há anos atrás, eram as lavadeiras das senhoras da Vila. Vinham a pé buscar. a roupa em trouxas, à cabeça, e iam lavá-la para uns tanques que havia longe das casas e que ainda hoje lá se podem ver. Costumavam ir de manhãzinha, muito cedo, para apanharem pia, para terem a água clarinha e aproveitarem o fresquinho.
Uma certa vez, umas comadres do Tanque tinham combinado de véspera ir juntas e que quem acordasse chamava pela outra. Aconteceu que uma delas acordou e, como viu tudo muito claro, pensou que já era de dia e que a vizinha se tinha esquecido de a chamar. Toca de se dirigir para o Tanque. Foi andando, andando. Estava tudo claro como se fosse de dia. Quando já não estava muito longe dos tanques, viu muita roupa branca, estendida a corar na relva verde das encostas, outra posta a secar sobre as paredes de pedra. Dali não podia ver quem estava a lavar nas pias porque o alpendre de pedra tapava-lhe a vista.
Continuou a andar, ainda mais depressa pôr julgar que já ia atrasada e que ia ter de esperar muito tempo para ter a pia livre. Levava colchas e cobertores e tinha que apanhar a Pia Banheira desocupada porque só ali se podia terminar à vontade. As galochas batiam nas pedras do caminho e faziam um barulho seco e cadenciado que ecoava ao longe. Já muito próximo viu uma mulher de costas para ela a virar a roupa e, julgando que era a comadre, gritou-lhe de cá:
— Ó vizinha, esqueceste-te de chamar por mim ou que foi!?
— A sorte que tu tens é que comeste alho com cascalho, antes de saíres de casa, senão já ias comigo. Ficavas encantada e eu acabava o meu encantamento — respondeu a outra mulher, sem nunca virar a cara. E foi um tal recolher a roupa que estava estendida na relva e fugir, como se fosse um anjo alvo e leve, para o lado da Gruta dos Encantados que fica na Pedra da Agua, na Serra Branca.
Vendo isto, a lavadeira ficou cheia de medo e desatou a correr para casa, um pé não apanhava o outro.
Ao chegar, viu que era só uma hora da manhã e que aquela claridade era da lua.
A notícia espalhou-se e daí por diante as mulheres das Fontes e do Tanque só iam lavar para os poços, quando o sol nascia no horizonte, com medo das feiticeiras ou lavadeiras que viviam encantadas naquele lugar.

 

4. A feiticeira que se transformou em aranha (Graciosa)

Foto: American Horror Story Hotel

Pelos princípios do século vinte havia uma família pobre das Fontes, na Graciosa, a quem morriam muitas criancinhas pouco depois de terem nascido. E verdade que os pais eram pobres e não tinham posses para criar muitos filhos, mas se Deus os dava, tinham de amá-los e criá-los.
O pai andava desesperado, sem saber o que havia de fazer para salvar os filhinhos. Cismava noite e dia que ali havia coisa estranha relacionada com a morte dos anjinhos. Talvez alguma feiticeira se disfarçasse, entrasse no quarto e chupasse os bebés.
Pensando isto, pôs-se logo alerta. Pouco saía de casa para vigiar tudo o que se aproximava do bercinho do recém-nascido.
Numa certa hora, quando estava à espreita, olhou, por acaso, para o tecto e viu uma aranha muito, muito grande. Metia medo. Depois o bicho feio saiu da teia e começou a descer vagarosamente por um fio, na direcção da cama.
O homem, que estava cheio de raiva, pegou numa tesoura que tinha à mão e, com violência, cortou a teia de aranha.
Imediatamente o repugnante bicho se transformou numa linda rapariga, mas que ele não conhecia na vizinhança. Ela começou a dizer que ele tinha de a ir levar a casa, como sempre acontecia, senão algum mal lhe viria. O homem estava tão zangado que nem o espanto nem o medo o fizeram hesitar. Disse que não ia com quantas forças tinha e, pegando num bordão de marmeleiro, foi-lhe dando verdascadas, enquanto lhe dizia:
“Bruxa! Feiticeira! Já me chupaste os pequenos todos, mas não me chupas mais nenhum, senão mato-te!”
A feiticeira desistiu da ideia de que ele havia de ir levá-la a casa, fugiu a sete pés e nunca mais teve coragem de se aproximar dos filhinhos do dito homem.

 

5. Lenda dos diabretes (Terceira)

Foto: DR

Era a noite de vinte oito de Outubro, dia em que a igreja lembra os santos Simão e Judas e em que o povo acredita ser a noite da saída dos diabretes do mar para a terra. A maioria dos terceirenses tinha-se recolhido mais cedo, depois de ter comido alho e traçado, com um dente partido, uma cruz na porta. Nessa noite não iam para o mar. Sabiam que os diabretes, seres infernais que colaboram nas tempestades, agitando os mares e enfurecendo os ventos, se tornavam especialmente violentos na noite de vinte oito de Outubro e na de dois de Fevereiro.
Mas um homem, por necessidade ou teimosia, decidiu ir pescar e foi sozinho porque não encontrou quem fosse com ele. Preveniu-se, comendo alho e pondo uma réstia ao pescoço, e pôs-se a caminho para o porto. Lançou o barco à água e lá foi pelo mar fora, em direcção à ponta de S. Jorge.
A noite foi passando e não havia modos do homem tomar peixe. Já estava aborrecido e maldizia a sua vida por ter caminhado de casa. A noite era de breu e só se ouvia o barulho do mar a bater no barco quando, de repente, o homem ouviu claramente uma voz perguntar por trás dele:
— Então, não o deitas ao mar?
— Não, porque este homem comeu alho com bugalho e tem uma réstia deles ao pescoço — respondeu uma outra voz.
O pescador percebeu claramente que eram dois diabretes que falavam e ficou amedrontado.
Rumou para terra o mais depressa que pôde e jurou para si mesmo que em noites daquelas nunca mais iria ao mar, dando razão ao provérbio que diz: “Em dia de S. Simão vara o barco prò portão”.

 

6. A rapariga que queria ser feiticeira (Pico)

El aquelarreEl gran Cabrón (1823), uma das obras da coleção “Pinturas Negras”, de Francisco de Goya

Era noite de Inverno, tava frio de rachar. Os vizinhos tinham-se juntado numa casa próximo do Terreiro da Calheta, pra passarem o serão à volta do lar, onde o lume estava aceso com sabugos e um pau de faia.
Naquela altura juntava-se muitos poderes de gente.
tia Leal contava casos antigos, outros narravam coisas de arrepiar os cabelos, passados com “lambusães” e feiticeiras. A certa altura um dos vizinhos disse:
— Minha mãe contava que as feiticeiras passavam do Pico para S. Jorge numa bacia.
Uma rapariga de dezoito anos que tava a ouvir estas aventuras, exclamou:
— Quem me dera também ser feiticeira!
E o serão continuou, animado por contos e histórias vividas, até que, por volta da meia-noite, os vizinhos começaram a despedir-se e saíram.
No fim da pequena canada, (se é que aquilo se chama canada, é mais uma vereda) que tinham de passar para chegar da casa da tia Leal até ao caminho, uma mulher já madura chegou-se à rapariga e disse-lhe em voz baixa, para que mais ninguém ouvisse:
— É mesmo verdade que queres ser feiticeira?
A rapariga, que já nem se alembrava do que tinha dito “imentes” ouvia as histórias, começou a gaguejar, mas respondeu que sim. Então, como por milagre, lá foram as duas num instante, até ao Pico Ruivo, sítio que ficava a uns três quilómetros de distância e por caminhos muito somenos.
Era aí que se ajuntavam as feiticeiras, que foram chegando, pouco a pouco, vindas de todas as bandas. Já eram muitos poderes e formaram um grande grupo que começou a balhar, cumprindo, uma a uma, o ritual de beijar o cu de um bode, que era o protector delas.
Todas estavam muito satisfeitas porque era a iniciação de uma novata e o demónio, disfarçado de animal, presidia à cerimónia.
Chegou, por fim, a vez da moça que queria ser feiticeira cumprir o ritual. Sentiu nojo e gritou, arrepiada:
— Valha-me Nosso Senhor, o que eu tenho de fazer!
Mal disse estas palavras, todo o encanto se quebrou e a rapariga sentiu-se despida e atirada para uma silveira.
De madrugada passaram por ali uns homens que iam para a costa e, quando viram a rapariga despida, caída no meio dos silvados, toda arranhada e engatanhada de frio, logo a conheceram. Cobriram-na com um casaco e foram levá-la a casa.

 

7. Procissão das almas (S. Miguel)

Foto: Ailton Fernandes

Há alguns anos atrás, na ilha de S. Miguel, estava deitada uma rapariga de vinte quatro anos; numa noite da semana santa, quando ouviu tocar a campainha do apregoador das almas. Sentou-se logo na cama para rezar, pois sabia que todo aquele que ouve lembrar as almas deve rezar sentado na cama ou de joelhos. Depois levantou-se e foi para a porta para ver o que se passava.
Olhando para o canto da rua, viu chegar uma procissão de almas e reconheceu uma parente sua que tinha morrido. A alma do familiar disse-lhe:
— O pequena, arrecolhe-te lá para dentro que a esta hora não se está à janela nem à porta. Hás-de dizer que não dêem as coisas por fazer, que aqui não há quem as faça. Aí vai a meada e o ano — e a alma atirou o que dizia.
A rapariga já tinha ouvido a outras pessoas que não era bom aparecer à janela nem à porta enquanto faziam aquela devoção, mas estava tão emocionada que pôs o xaile e saiu atrás da procissão das almas. Quando chegou à esquina da rua, viu a porta da igreja aberta e por lá entravam as almas. Continuou a andar, mas, quando começou a subir os degraus do adro, a porta fechou-se. Voltou para casa no momento em que os apregoadores das almas chegavam, cantando:

Ó almas, que estais aí
No Purgatório ardendo,
Cristão, ajudai as almas
Que elas estão padecendo.
Almas santas de Jesus
Que já fostes como nós,
Pedi por nós a Jesus,
Como pedimos por vós.

A rapariga deitou-se com algum nervosismo e não dormiu tranquila. Ao acordar, de manhã, contou o que tinha visto. No fim de três dias, morreu porque não devia ter dito nada a ninguém do que lhe tinha acontecido.

 

8. A Caldeirinha onde vive a Maria Encantada (Graciosa)

Foto: José Luís Ávila Silveira/Pedro Noronha e Costa

Maria era uma rapariga de um dos lugares vizinhos da Serra Branca e, como outras raparigas da sua idade, ia muitas vezes para a Serra levar os seus animais para pastar: Algumas vacas, um cavalo ou um burro, ou talvez cabras. O pai avisava-a sempre de que não passasse para além da lomba. Próximo ficava a Caldeirinha, um boqueirão, como a boca do inferno, que se abria sem se saber onde ia parar. O que se sabia era que ali viviam diabretes, demónios e outros seres terríveis.
Maria fazia sempre o que o pai lhe dizia. Mas um dia, ou porque algum animal a levou até ao lugar temido ou por curiosidade muito forte, a rapariga aproximou-se do algar, a entrada para a Caldeirinha. Escorregou e caiu por ali abaixo. Como tinha uma saia larga que, com o ar, formou uma espécie de balão, Maria não morreu. Foi caindo devagarinho, como uma pena levada por um vento manso.
Em casa, vendo que a rapariga não voltava, procuraram-na por toda a Serra. Mas nada. Por fim, encontraram as galochas à beira da Caldeirinha. Chamaram aflitivamente por ela, adivinhando um acontecimento terrível, e numa voz abafada ouviram a resposta da Maria, vinda de uma grande profundidade.
Nunca mais saiu a moça e, até hoje lá ficou, encantada, fazendo a sua vida rotineira.
Uma vez, ao passar por ali perto dois rapazinhos, o Tomás e o Bernardino, que iam levar o seu gado a pastar, sentiram um cheiro tão bom a milhanga crua. Outra vez, num domingo, um homem do Caminho do Manuel Gaspar foi rabiscar carrascos para a mulher fazer o jantar, para a rocha da Serra Branca e, ao passar no sítio, deu-lhe um cheiro tão bom a guisado que não lhe apetecia sair dali.
Dizem que ainda hoje, quem tiver coragem de se aproximar da boca da Caldeirinha, indo devagar por um carreirinho, e chamar: “Maria! Maria!” ela responde porque ali continua encantada.

 

9. O Poço do Negro (Santa Maria)

Foto: Blog Por Atalhos

Por meados do século quinze, já Santa Maria era povoada por colonos vindos de várias partes do reino e escravos do Norte de Africa. Todos trabalhavam arduamente na terra para a fazer produzir. Mas as populações nem sempre viviam em convívio pacífico, aconteciam desavenças, desentendimentos e cometiam-se crimes. Assim aconteceu com um escravo negro. A justiça então era dura, a morte pagava-se com a morte e o negro não viu outra solução senão fugir.
Embrenhou-se no interior, descobriu furnas e algares que lhe serviram de abrigo das tempestades fortes que assolavam a ilha. Passou muita fome porque a caça não era abundante e tinha de andar constantemente a esconder-se. Os aguazis, mandados pelos senhores, perseguiram-no sem descanso. Calcorrearam a ilha por todo o lado, procuraram principalmente nos lugares mais recônditos e de difícil acesso. Mas nunca o encontraram. Por fim, desistiram da sua busca, embora a raiva e um medo secreto prevalecessem na população.
Um dia, um caçador, que andava à espreita de coelhos, embrenhou-se nos matos e acabou por se perder no meio de abundante arvoredo. Continuou a andar, mas desorientado, até que teve de ladear uma ribeira e foi dar a um poço. Como o calor tinha sido intenso naquele dia e o cansaço era muito, o homem estava sequioso. Sentou-se na margem, fez uma concha com as mãos e baixou-se para tirar água do poço, já escurecido pela penumbra, devido à avançada hora e à sombra das ramagens. Apercebeu-se que a água estava muito lodosa e que exalava um cheiro terrível. Ergueu-se desanimado e preparava-se para seguir caminho incerto quando, lançando um olhar mais atento ao poço, viu que nele flutuava um objecto de desmedidas proporções, de cor escura, que lhe lembrou o cadáver do escravo negro, desaparecido. Amedrontado, correu, desesperadamente, ao subir a rampa marginal, perdeu os sentidos e só os recuperou pela madrugada do dia seguinte. Ainda meio tonto, voltou a caminhar à deriva, até que avistou um casebre cujos moradores lhe indicaram caminho seguro.
O caçador, ainda abalado, contou o que havia visto e então os marienses passaram a chamar àquele reduto de água “Poço do Negro”. O medo de por ali passar dominou as populações marienses e ainda hoje afirmam que o poço não tem fundo e é lugar assombrado.

 

10. Lenda do Dia dos Finados (Graciosa)

Fotografia: Ailton Fernandes

A senhora Fineza era muito boa mulher, tão boa que, apesar de já ter filhos seus, não rejeitou um enjeitadinho que lhe vieram pôr à porta e que ela ouviu chorar quando estava deitada. Vivia no Caminho do Tanque, na freguesia do Guadalupe e, como muitas mulheres do lugar, era lavadeira das senhoras da Vila.
Uma certa noite acordou e, achando muito claro e porque não tinha relógio, pensou que estava perto de amanhecer. Levantou-se, pôs a trouxa de roupa já lavada na carroça puxada por um cão e dirigiu-se para a Vila de Santa Cruz, para entregar às patroas a roupa que tinha lavado e enxugado no dia anterior.
Foi andando depressa porque era a descer e estava fresco. Ao chegar perto da igreja de S. Francisco, da qual hoje só existe a torre e que ficava ao lado do cemitério, viu muita gente, toda vestida de branco, a entrar para o templo.
Não conheceu ninguém, mas pensou para consigo: “Ainda não amanheceu e os senhores ainda estão a dormir. Vou ouvir a missa.” Descarregou a trouxa para o cão descansar, pô-la no chão do lado de fora da porta e entrou. A igreja estava cheia de gente.
Quando acabou a missa, as pessoas começaram a sair e a senhora Fineza também veio para fora. Arranjou a trouxa e dirigiu a palavra a um homem que viu ao pé da porta:
— Ajude-me a pôr a trouxa na carroça que ela é pesada.
Mas estranhamente ele respondeu:
— Peça a este que está aqui ao meu lado. Ele tem mais força porque morreu de repente. Eu não posso, morri de “trisela” e não tenho força nenhuma.
A tia Fineza arrepiou-se e não esperou por mais ajudas. Correu para casa dos patrões e ia pensando que aquelas pessoas que enchiam a igreja por completo e que se encaminharam depois para o lado do cemitério eram os mortos que tinham vindo assistir à Missa de Finados.

 

Há muitas mais lendas aterrorizadoras, mas decidimos parar por aqui, porque já se tornava difícil digitar devido aos tremores de medo! Qual destas lendas açorianas o assustou mais? Comente aqui ou no nosso post do Facebook!

 

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